terça-feira, 28 de janeiro de 2025

múltiplas poéticas

Canalha

ele não tem mãos
tem garras sujas de tinta alheia
não tem olhos
tem buracos fundos onde cabem
versos roubados
metáforas mastigadas
por bocas que não são dele

ele acha que poesia
é como cigarro no cinzeiro de bar
que qualquer um pode pegar
acender de novo
soltar fumaça
e dizer que foi quem queimou primeiro

mas poesia, canalha,
não tem código de barras
não é batom de boca em boca
nem chave esquecida em mesa de motel
poesia tem cheiro de medo
tem pulso, tem cio
tem a porra da marca do dono

e você,
com seus dedos podres
com sua fome de versos que não pariu
vai seguir se entupindo de palavras alheias
tentando cuspir fogo
com fósforos úmidos.

Simone Bacelar

https://www.instagram.com/p/DFf9ku9vE9G/



o anjo exterminador

[sil guimarães]

 

quer de mim

o que não posso:

virar-me do avesso

arrancar pela boca

meu coração

[ imagem francesca woodman ]

 

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Balbúrdia Poética - projeto de poesia e resistência criado por Artur Gomes em 2109 - 4 Edições já foram realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. A Balbúrdia Poética 5 - está programada para ser realizada em Campos dos Goytacazes-RJ no dia 28 de Março no Stand da Academia Campista de Letras dentro da programação da Bienal do Livro.

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1 de fevereiro

 

Trabalhei o ano passado de fevereiro a fevereiro para que hoje chegasse não por e-mail mais inteiro : “Ainda Estou Aqui” “eu cheguei de muito longe e a viagem foi tão longa e na minha caminhada obstáculos na estrada mas enfim aqui estou mas estou envergonhado com as coisas que eu vi mas não vou ficar calado no conforto, acomodado como tantos por aí é preciso dar um jeito, meu amigo é preciso dar um jeito, meu amigo descansar não adianta quando a gente se levanta quanta coisa aconteceu as crianças são levadas pelas mãos de gente grande quem me trouxe até agora me deixou e foi embora como tantos por aí é preciso dar um jeito, meu amigo” – “pai afasta de mim esse cálice, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue – como é difícil acordar caldo se na alada da noite me dando quero lançar um grito desumano que é uma maneira de ser escutado esse silêncio todo me atordoa atordoado permaneço atento na arquibancada pra qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa”.

Obs. É preciso dar um jeito meu amigo (Erasmo Carlos) e Cálice (Chico Buarque) músicas que integram a trilha sonora do filme : “Ainda Estou Aqui” que acaba de bater todos os recordes de bilheteria no Brasil e nos Estados Unidos

 

Artur Gomes

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Pátria A( r)mada

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se aproximou

buscava um solo onde deitar
suas sementes de amor

eu me asfaltei

*

Já não és meu porto

e ando ainda às tontas

por tuas ruas tortas

e não importa

É isto que preciso

Pois quando eu te busco

é a mim mesma que encontro

em ti

meu ex

cais

e abrigo

 

Máyda Zanirato

Jan/2020

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drummundana itabirina

 

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez

portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. braziLírica

amanheceu incrédula:

manchetes, vozerios, falatórios, assembleias,

faixas, cartazes. por todas as vias, multivias,

multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos

inconformados com a fedra passearam em

plebiscito vociferando Não ao Sim. 

E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca. 

 

Artur Gomes

In BraziLírica Pereira : A Traição Das Metáforas

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com os dentes cravados na memória

o dia  que me apaixonei por um boi voador

 

quem não viveu não  viu nem de longe conhece o poder da arte desse “artur kabrunco”. em 1987 na tipografia da então ETFC(Instituto Federal Fluminense), dei de cara com um boi vestido de poesia. paixão fulminante, amor à primeira vista, eu envolvida, mergulhada, em fórmulas e números, estudava química, e em casa nunca tinha lido um livro que não fosse sobre química. como a encenação da ciranda do “boi-cósmico” já estava marcada para a semana seguinte, Artur Gomes me inseriu no coro da mesma. o repertório era composto com poemas do seu recém-lançado livro “Couro Cru & Carne Viva”. a encenação foi realizada no Ginásio de Esportes, com cenário grafitado por Genilson Paes Soares, em lâminas de papel kraft, que desciam do teto ao chão, apelidados por (Maria do Café) de “caralhos voadores”, um escândalo. não é preciso dizer o frisson que “a ciranda do boi cósmico” causou na maioria dos professores, além de estar vestido com poesia, sua cabeça foi criada por Marcos Guimarães Maciel(com engrenagens de relógios e outros elementos do laboratório de eletrotécnica), e enquanto o “boi” fazia suas evoluções acrobáticas,  seus olhos de lâmpadas, piscavam movidos por uma pequena bateria de 6 volts. Alguns professores da época ao se deparar com aquele fabuloso cenário, desmaiaram em pleno ginásio. semana seguinte eu e o “kabrunco” seguimos colados como dois em um. mas para minha desgraça uma professora de inglês da ETFC, denunciou o caso a aminha “mãe solteira” que me proibiu de viver poesia. fui para o rio estudar matemática e hoje aqui me encontro nesse recife da boa viagem em meio a esse “mar de pedras” sem poder fazer o que que queria. Rúbia Querubim minha filha, você nem imagina o que é viver sem  ser ou não estar em carne sangue medula osso nos retalhos imortais do serAfim.  

 

Federika Lispecto

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texto incrível da minha mãe que me enviou ontem e me arrepiou, não conhecia toda essa história, minha mãe se fechou depois que foi para recife trabalhar com cardápios, ela só havia me contado até então alguns "retalhos". mas tenho amigo(a)s ex-aluno(a)s e professore(a)s da ETFC na época que podem detalhar ainda mais os fatos. quando estudei no IFF, entre 2011/2012 fiz Oficina de Produção Cine Vídeo, e era bem engraçado como algumas pessoas me alertavam sobre os perigos que estava correndo, por estar fazendo aquela Oficina, e eu nunca entendi o por quê de tanta preocupação. Mas depois que conheci Gigi Mocidade caiu a ficha, e descobri o tanto de preconceito e reacionarismo era o meio em que vivíamos. e de 2016 pra cá começamos a entender tudo muito bem explicadinho de forma bem explícita.

 

Rúbia Querubim

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JAÉ MILICIANO BOZONARO

 

Jaé Miliciano Bozonaro:

quem diria, é um decassílabo heroico,

para alguém que não passa de um ignaro,

misógino, racista e paranoico.

Sargento, não, Capitão de Milícias.

Forjado em fake news, chegou ao cargo,

de todos, o mais alto e cobiçado,

defendendo a discórdia e a sevícia.

Terraplanista, negou a ciência,

e enfraqueceu o combate à Covid.

Acabou com a nossa paciência:

“Sem saúde, o povo que se vire!”

Para ele, somente há uma solução:

investigação, condenação e prisão.

 

*

 

                    DOUTOR CARNEIRO

                 

“Ainda aguenta mais umas duas ou três descargas

elétricas”, avalia o médico – que atende pelo curioso

codinome de Doutor Carneiro –, diante do guerrilheiro

                                                            [moribundo.

 

Palmatórias, chicotes, cordas molhadas, correntes de aço,

velas e cigarros acesos, navalhas, estiletes,

tudo já havia sido usado, embora sem sucesso.

O homem, agora um farrapo, continua se recusando a falar.

A Pianola Boilensen entra novamente em ação, mas,

depois do quinto eletrochoque, o torturado não resiste

                                                                 [e morre.

 

Doutor Carneiro atesta a causa mortis: ataque cardíaco.

Utilizando-se do conhecimento médico-científico,

esse cordeiro Lobo prolonga o sofrimento

dos contestadores do regime, torturados sem piedade

nos aposentos da Casa da Morte.

 

Stevenson estava certo:

o médico é o monstro.

*

RICARDO VIEIRA LIMA é doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ, crítico literário, ensaísta, jornalista, poeta e editor-assistente da revista Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (UFRJ). Membro titular do PEN Clube do Brasil, organizou e prefaciou os livros: Anos 80, da coleção Roteiro da Poesia Brasileira (São Paulo: Global, 2010), e Poesia completa, de Ivan Junqueira (Lisboa: Glaciar; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2019). Seu livro Aríete – poemas escolhidos (Rio de Janeiro: Circuito, 2021) ganhou os Prêmios Ivan Junqueira, da Academia Carioca de Letras, e Jorge Fernandes, da União Brasileira de Escritores Seção Rio de Janeiro. 

 

Site do autor: ricardovieiralima.com.br 


Balbúrdia Poética 5
Dia 28 de março 19h
No Stand da ACL
Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ

OVERDOSE NU VERMELHO

retesar as cores
e os músculos
com os dedos agarrados no pincel

se faltar carne
para roçar os óvulos
a gente jorra tinta no papel


Artur Gomes
in Couro Cru & Carne Viva – 1987
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                    vozes  do cerrado

 

brasília, Brasília,

onde estás

que não respondes?

 

em que bloco

em que superquadra

tu te escondes?

 

Nicolas Behr

Brasilírica

Antologia

Poemas escolhidos

1977-2017

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                          sub/VERSÃO

 

só desfraudando

a bandeia tropicalha

é

que a ente avacalha

com as chaves dos mistérios

dessa terra tão servil.

 

tirania sacanagem safadeza

 

tudo rima uma beleza

com a pátria/mãe que nos pariu

 

Artur Gomes

In Couro Cru & Carne Viva – 1987

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com os dentes cravados  na memória

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                   brumadinho

 

ainda tem

muita lama

no meio do caminho

 

Federika Lispector

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                    safadinho

 

ainda tem

muita cama

no meio do caminho

 

Lady CarNAvalha Gumes

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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

múltiplas poéticas

jura secreta

para Sueli Costa e Abel Silva

 

ainda arde em mim

tudo o que não comi

tudo que ainda não provei

a carne que ainda não lambi

na boca que ainda não bebi

a língua que ainda não beijei

 

só um poema me devora

aquele que ainda não gravei

a poesia que ainda não escrevi

a palavra que ainda não falei

"a jura secreta que não fiz"

o amor que ainda não gozei

 

                      Artur Kabrunco

Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

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arde em mim

um rio

de palavras

 

corpo larvas erupção

mar de fogo

vulcão

 

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

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dia desses escrevi meu testamento

deixei algumas palavras registrando minha indignação e nojo

por ainda ver algumas pessoas defendendo o indefensável

diante tanta exterminação nesse mercado e por não ser jumento não defendo gado

 

Federico Baudelaire

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A folha de papel em branco sobrevoa a transparência diante do espelho onde me espreitam dois grandes olhos  feito jabuticabas de um pomar que inda procuro a palavra escrita ainda não dita de um desejo impuro e a folha branca de papel pousa em tuas mãos como um pássaro não nascido ainda vindo do futuro.

 

Artur Gomes

in o homem com a flor na boca

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Balbúrdia PoÉtica 5

poesia e resistência

para todas as horas

 

Tendo em vista que a Bienal do Livro de Campos dos Goytazes-RJ está prevista para acontecer no período de 28 de Março a 6 de Abril. A Balbúrdia PoÉtica 5 – será realizada no Stand da ACL (Academia Campista de Letras) dentro da programação da Bienal no dia 28 de Março, a partir das 19h.


não me meto nessa treta

minha preta é mais discreta

querubim que me perdoa

não tenho pedra concreta

não vi nem gelo nem granizo

estando são no meu juízo

mesmo na ciência baseado

um grande back fumado

no meu senso mais atoa

só posso dizer que um peixe

vestido de pássaro alado

anda voando de almada

buscando a vida depenada

no cais do porto de lisboa

 

Artur Kabrunco

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Vampiro Goytacá

Canibal Tupiniquim

 

kabruncos lobisomens

lamparões ou serAfins

estrupícios garrutios

severinos querubins

amantes de uma cidade

nas ruas da solidão

querendo-a veracidade

com tudo que seja não

ser transmutado no sim

 

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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Mútiplas PoÉticas

tem dias
que as lembranças
te acordam cedo

e você não sabe
se esse poço sem fundo
vai te fazer sorrir ou chorar

mas a hora de lembrar
é apenas um risco traçado
no vasto oceano da existência

aquela imensa abóbada estrelada
onde cintilam estrelas
tão distantes
sempre esteve lá
sobre tua cabeça
e no entanto
todos os dias você a ignora

mas alguns pontinhos
na memória da vida
te levam para uma viagem
sem fim sem meio
e sem começo

Jidduks


espiã confessa


diante de tudo

que tenho falado

despido lido escrito

ser porta bandeira

não é uma missão

apenas por ter incorporado

a Mocidade Independente

de Padre Olivácio

     em ouro preto

tem mais angu nesse caroço

cabeça nesse prego

não nego

estou metida nessa trama

dos pés aos fios de cabelo

em cada uma das nervuras desse osso

debaixo dos lençóis de cada cama

tem segredos e mistérios

que sendo revelados

deixariam qualquer país em alvoroço

 

Federika Bezerra

A Porta Bandeira  

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pedra que voa

 

depois que choveu pedra em São Francisco do Itabapoana no final de 2024, por ficarem sem saber se gelo ou granizo, alguns moradores da localidade do Macuco, resolveram instalar uma comissão popular de inquérito para apurar as causas do acidente.

Sabedores de que o significado da palavra Ita/bapoana é pedra que rola sob o leito do rio, é bem possível que as “pedras” revoltadas com suas condições de viverem submersas podem ter sofrido gigantes mutações e serem transformada em pedras que voam, incentivadas pelas bruxarias e alquimias desenvolvidas por alguns personagens do livro “Itabapoana Pedra Pássaro Poema”.

 

Federika Bezerra

A Porta Bandeira  

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estamos

sumÍndios

 

Zhô Bertholini

* 

BrazilÍndios

 

foi-se a era

de belos índios

índios belos

ensinando

forma de viver

na amazônia

hoje

a selva sangra

agro negócio

soja pastos

novos sócios

             para o gado

             paralelo


* 

poética 56

 

é ela mica bela
a mulher dos sonhos
que me acorda sempre
de um sono atávico
            um delírio pleno

uma vertigem calma
na viagem metafórica
dessa noite quântica
em que meus dedos sonham

 

tua pele clara
tua alma atlântica
esse pássaro raro
que me acende a lâmpada

 

Artur Gomes

in O Homem Com A Flor Na Boca

Litteralux – 2023

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no meio do caminho

 

tinha uma balbúrdia

no meio do caminho

no meio do caminho

tinha uma balbúrdia

tinha uma balbúrdia

no meio do caminho

no meio do caminho

tinha uma balbúrdia

 

jamais me esquecerei

que no meio do caminho

tinha uma balbúrdia

nas minhas retinas

tão mastigadas

tinha uma balbúrdia

no meio do caminho

e não vou ficar calada

 

Lady CarNAvalha Gumes

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Libertação

 

libertar palavra

como soltar a fera

o cão danado

desmedir o verso

como descartar o peso

não mais mordaças

ou ranger de dentes

só a voz, a chave para o salto

o voo da ave fugidia

e ao fim das formas

do horror do claustro

ousa, ousa, minha poesia:

o medo é uma prisão

e eu acabo de sair dela

 

                          Jorge Ventura 


MERGULHO

 

busco silêncio

em multidões

vorazes

calo vozes

sem sentido

escalo prédios

sem elavadores

busco um deus

qualquer

que não me quer

nem mesmo no topo

de arranha céus

sem fim

enfim

sinto o vento

e despenco de nuvens

de artifício

até um chão

sem piso

me estatelo

e telas mil

tudo filmam

e o cão

sofrido e faminto

em minha testa

mija

 

Marcelo Brettas

balbúrdia no meio do caminho

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Balbúrdia PoÉtica

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II

 

os estados unidos da américa preparam-se para

a nobre tarefa de compostagem

de humanos em

muito pouco espaço de  tempo a

humanidade estará

programada para ser mais-valia

post mortem

                        composto orgânico

produto disputado na cadeia

alimentar

incomparável na fertilização do

capital financeiro

 

quem ainda acreditará em fogo

fátuo e boitatá

 

quem contará histórias á noitinha

para crianças

                            feitas de espanto e

aceitação do mistério

                      medo bom do escuro

?

tola acalentei uma ideia mais edificante para

aquilo que será meu corpo morto

                                            cadáver estelar

resíduo soprado no cosmo

                      expectativa menos aviltante

 

dalila teles veras

in opções para morrer no espaço

patuá - 2024


Diana

 

No seio da floresta

ao som dos meus passos

agita-se meu Fauno.

 

Deusas iradas observam

ariscos pássaros que trago

em mãos banhadas de luz.

Boca toca os frutos

que ele, um tanto servo

um tanto senhor, me oferta.

 

Ao entardecer

não sei se atende meu chamado

ou me deixo inebriar

pela poesia que da mágica flauta

vibra.

 

Deponho o arco, as flechas

deixo-me roçar amante

na primeira estrela que nasce.

Fora de meus domínios está ser coração

possuo apenas sua música

e a sombra de cetim

com a qual me cobre a madrugada.

 

Jurema Barreto de Souza

in SILÊNCIO ESCRITO

alpharrabio edições– a cigarra  edições

2024


(in)ferimento

 

o rio se encheia

e adoece o dia

as margens

vontades

 

parece de repente

             não é

 

carrega

           traz e leva

fés e podridões

 

abarrotado de

(in)certezas e

dores inúteis

afirma

          mineiramente

o engano de querer

dominá-lo

a ilusão de poder

decifrá-lo

 

sem mudar o curso

 

Rosana Chrispim

in Caderno de Intermitências

patuá - 2017



o elefante

a João de Farias Pimentel Neto (Netinho)

 

a cor de pólvora que não explode

barril de pólvora mansa

apesar do pavio da tromba

 

a coruja

 

são todos ouvidos

os teus olhos

de vigília.

 

olhos acesos,

luzeiros

de sabedoria.

 

olhos atentos

à geografia

do dentro.

 

és uma concha.

 

um encouraçado.

 

monja em voto de silêncio.

 

os olhos da coruja

 

saltam aos olhos

a olhos vistos

 

a zebra

A Manoel Jaime Xavier Filho e Silvino Espínola

 

a zebra

é a edição

extra

 

de um cavalo

que virou

notícia

 

as cigarras

 

são guitarras trágicas.

 

plugam-se se/se/se

nas árvores

em dós sustenidos.

 

kliping recitam a plenos pulmões.

 

gargarejam

vidros

moídos.

 

o cristal dos  verões.

 

Sérgio de Castros Pinto

in o cristal dos verões

escrituras – 2007 




anjo de 7 faces

ou

cabrunco de 7 faces

 

“quando nasci o anjo torto/ torquato neto veio ler a minha mão tinha chegado de teresina com uma garrafa de cajuína e um livro na outra mão”

                                        Artur Gomes

 

como bem disse Wilson Coêlho,  no texto “cavoucando a terra” para o prefácio do livro “Itabapoana Pedra Pássaro Poema”, a poesia de Artur Gomes é fricção/atrito/movimento, “poesia no pau-de-arara no melhor sentido da poiesis”.  no poema ele me come assim como na vida real tantas vezes sim. 

 

ele me provoca

me invoca

me incorpora

 

enfia toda palavra

nos porões das  coxas

passeia o litoral das  costas

da nuca

ao cóccix fricção

ação movimento

o poema voa pelos

poros pele ao sabor do vento

beija lambe

morde minha  carne trêmula

coloca um trema no meu ( ) tranqüilo

como quem constante

sempre come aquilo  

 

desconcerta

desconforta

não tendo como fugir

me entrego

intensa/inteira

como a mulher aos pés da porta

 


Irina Serafina

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Novo e-Book do poeta Artur Gomes, disponível no Portal Ornitorrincobala, é só clicar e baixar, aproveite para baixar mais dois e-books do autor, disponível em sua página de Download do nosso portal:

Artur Gomes, poeta premiado. Aclamado como um dos maiores declamadores do Brasil. Seu novo e-Book "Itabapoana pedra pássaro poema, já está disponível gratuitamente na plataforma do Portal Ornitorrincobala. Corre lá, é seu!
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https://jidduksonline.com.br/ornitorrincobala-arturgomes-ebooks/


deprê mallarmé

 

tudo existe, é certo,

para acabar em deserto

 

tudo existe, é fatal,

pra virar igreja universal

 

Fabiano Calixto

in fliperama

corsário satã - 2020


Balbúrdia PoÉtica

no meio do caminho

Balbúrdia PoÉtica 6

Dia 1º de Abril no Rio

Onde você estava e o que fazia no dia 1º de Abril de 1964?

Eu estava na aula de História na antiga Escola Técnica de Campos, o professor Antônio Carlos de Carvalho (botinão), não sabia se dava aula, ou prestava atenção no radinho de pilha colocou em cima da mesa. Colou o ouvido ao radinho e de repente deu um grito: “meus amigos estamos livres do comunismo”. Assim recebi a notícia do golpe de 1964.

 

                                       Artur Gomes

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protagonia

 

“para quem desce nossa onda

toda semana é de arte moderna”

                                 Júlio Barroso

 

há de haver

sempre uma palavra

acesa

tesa

que não impõe

mordaças

e não se arrasta

pelos óbvios corredores

dos enganos

 

             vindos

             de outras viagens

              não calamos

              as escolhas

              nem a existência

              das resistências,

              navegadores que fomos 

              somos e seremos,

              temos no horizonte

              inspirações de gerações

              ao alcance das mãos

              dispostas em mapas

              de

              liberdades

              modernas

              &

              eternas

 

zhô bertholini

18 fev. 2022

balbúrdia no meio do caminho

 

poema na veia

sangue quente

beijo no asfalto 

carNAvalha

 

seja herói

seja marginal

 

poema que me valha

bacanal

onde é que fica?

 

cara de cavalo

debaixo da bandeira

de hélio oiticicca

 

pastor de andrade

in Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

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um beijo de língua p/Hélio Oiticica

seja marginal
seja herói
são olhos são seus pincéis
seus dedos não são anéis
vamos juntos pela av. do brasil
os microfones não são ouvidos
cara de cavalo
cara de palhaço
linguagem arco-íris vadiagem
por que não comê-la?
seja marginal
seja herói
não seja clone do cawboy
sub
verta o poder
vou pegar 01 taxi que me leve até você

Aroldo Pereira Pereira
No Parangolivro – In cinema bumerangue - 1977
foto: Artur Gomes Gumes com Psiu Poetico Poetico 

foto: Artur Gomes 




ASSIM NÃO VALE

 

O gerundiar das ondas

indo e voltando,

em oposição ao particípio do viver.

O mar fluindo em tons de

Azul, desindetificando-se com os

estampidos presos à memória.

O mar com suas histórias.

 

Não vale a vida comprimida.

Não vale ter os ombros curvados ou

a febre irrompida pelo peso do mundo.

 

Aquiescer ao particípio da existência

até o gran finale, sem compreender

o gerúndio das marés, não vale.

Assim não vale

 

Noélia Ribeiro

In assim não vale

Aribaçã – 2022

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Dia 8 de janeiro é o Dia Nacional de Defesa da Democracia Brasileira. Para marcar essa data, republico o meu poema "Jaé Miliciano Bozonaro", torcendo para que o "dies irae" venha logo.

Ricardo Vieira 


EuGênio

 

eu sou menino eu sou menina

e não venham me dizer

que lança perfume é parafina

diversidade gêneros

podes crer  - não me alucina

 

eu nasci da minha mãe

que se chama severina

lá dos sertões do nordeste

nor/destino nor/destina

como o sal do maranhão

bumba-meu-boi não desafina

conterrâneo de torquato

eu nasci em teresina

 

            EuGênio Marllarmè

In O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux - 2020

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O Poeta Enquanto Coisa

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Fúria - é uma revista de Arte/Poesia editada pelo poeta Celso Borges em 2015. Conheci o Celso pessoalmente durante a programação do projeto "Poesia Na Idade Mídia - Outros Bárbaros" idealizado por outro grande poeta/irmão Ademir Assunção e realizado pelo Itaú Cultural em 2005 em São Paulo. Voltamos a nos encontrar em 2008 na Feira do Livro de Imperatriz-MA e em São Luís  sua cidade Natal em 2013 por ocasião da 7 7ª Feira do Livro, onde conheci a Anita Prestes.  Estou relendo a Fúria com a intenção de selecionar alguns poemas do Celso Borges para o livro Balbúrdia Poética em homenagem a sua memória.

 

Catarse

 

no palco

impacto e espanto

voz exposta na foz acesa da garganta

fôlego e relâmpago

 

dentro de cada fio do corpo

tudo o que digo me devora

vertigem e eletricidade

 

o sangue anda veloz

o coração dispara sem olhar pra trás

acho que tô pegando fogo


oi, oi

cadê a língua que se foi?

leiam minha língua

rocem minha língua

chupem

lambem

molhem

beijem minha língua

mordam minha língua

comam minha língua

falem minha língua

 

élínguaváriaviravírusviraváriaslínguas

váriasviramvícioviramsolitárialinguagem

 

Celso Borges

In Fúria – 2015

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Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim 

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*


Ademir Assunção

da série

"Livro de Retratos"

em Risca Faca (2021)

editora Demônio Negro

*

MANIFESTO


fica decretado o fim da opressão

do desrespeito

dos interesses escusos do capital

 

que o artista seja livre

para criar

para inquietar com suas ideias

para revolucionar com o novo

descartando a novidade passageira

 

que o artista seja livre

para que

com sua magia

retire do sono profundo

os seres dormidos

e que, estes

de olhos e corações expandidos

resultem em novos seres

capazes de paz e liberdade

 

fica decretado

o fim do isolamento

da alienação

do desencontro

que respeitado o tempo solitário da criação

tudo o mais seja partilhado

para que se amplie

e se multiplique

em beleza e reflexão

em intervenção

em mudança

 

fica decretado ainda

que a partir de agora

nós

eternos aprendizes

mais do que nunca

não permitiremos vendas nos olhos

travas no coração

e nenhuma amarra nas mãos

 

                         Roza Moncayo

 


Incontinência Verbal

 

                     eles tentaram

 além de nos calar/apagar

 um espaço/tempo

 do país onde nascemos

viemos dos

40 50 60 70 80 90 2000

o que vivemos

 o que fizemos

o que fazemos

onde estamos

o que faremos

pra onde  iremos

 o que sabemos

incomoda/desconforta

 conhecimento liberta

é porta aberta

 e não um vão estreito

               em cada porta 


Artur Gomes

in Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

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*

 Pastor de Andrade - o antropófago quando saiu do exército em Vitória do Espírito Santo no final do ano de 1962, foi alçado ao cargo de espião do IPES e logo depois a agente do Doi-Codi. Descobrimos então que antes de ser Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus e Patrono da Mocidade Independente de Escola de Olivácio a Escola de Samba Oculta no Inconsciente Coletivo ele foi agente da repressão infiltrado no CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica).  Essa descoberta só foi possível depois de alguns depoimentos de ex-presos políticos sobre os 60 anos do Golpe de 1964, onde estavam no dia 1º de Abril e o que aconteceu com eles a partir dali.


Federico Baudelaire

In Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

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“Os falsos patriotas estão arrasados com a vitória de Fernanda Torres e Eunice Paiva

Vitória do cinema brasileiro serve também para mostrar ao mundo uma parte do que foram os terríveis anos de Ditadura no Brasil

Há uma parcela da população extremamente incomodada com a vitória de Fernanda Torres, a melhor atriz no Globo de Ouro. Uma vitória do cinema brasileiro, não apenas dela.

São os que se chamam de patriotas. Falsos patriotas, patriotas de araque, arautos de uma Pátria criada a partir das morte, da injúria, da tortura. De uma Pátria criada partir do desaparecimento de quem pensa diferente.

Não foi Jair Bolsonaro, o Mito dessa gente, que, de maneira covarde e abjeta, cuspiu na estátua de Rubens Paiva? Pois, agora, vê a vitória de Eunice Paiva - personificada visceralmente por Fernanda Torres - em palco internacional.

Os bolsonaristas - gente inculta e que reza por pneus - tentou boicotar o filme. E ele é o mais visto, com mais de três milhões de pessoas. Eles tentaram calar o cinema brasileiro e estão vendo sua grande vitória.

É mais uma derrota para quem não teve competência para dar o golpe - mais um - nas instituições. Outras derrotas virão. Quem sabe, contando a prisão do mito de pés de barro.”


Marcia Maria Castro Lima



Nos porões da Ditadura, uma flor

A ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, disse que as descobertas feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), como o esclarecimento da morte do deputado Rubens Paiva, abrem uma oportunidade para "todos aqueles, militares ou civis, que participaram daquela época de torturas em nome do Estado, façam um acerto de contas com a consciência, que devem ter". A declaração foi feita nesta sexta-feira, 28, em Porto Alegre, onde a ministra participou do lançamento local da Campanha Nacional pelo Fim da Violência Contra Crianças e Adolescentes.

Na quinta-feira, 27, no Rio de Janeiro, a CNV afirmou que Paiva foi torturado e morto pelo então tenente Antônio Fernando Hugues de Carvalho, já falecido, em 21 de janeiro de 1971, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 1º Exército, com a ressalva de que o militar pode não ter agido sozinho. Também sustentou que o comandante do DOI à época, o então major José Antônio Nogueira Belham, hoje general reformado, estava informado da tortura.

"O Brasil não aceita mais que os torturadores de ontem ou de hoje permaneçam impunes diante de seus crimes", afirmou Maria do Rosário. A ministra admitiu que o País tem a barreira da Lei da Anistia para casos ocorridos no regime militar e que eventuais caminhos para a superação disso podem ser apontados pelo Ministério Público Federal e a própria CNV.

Para Maria do Rosário, a revelação da verdade pode ser a principal punição "para esses que tiveram uma falsa ideia de que estariam sob o manto de uma mentira ou da impunidade terem seu nomes conhecidos pelas atuais gerações e terem vergonha de serem apontados como torturadores". 



“Ainda estou aqui” emociona, revolta e faz pensar no Brasil atual de tantas intolerâncias, que encontra quem se identifique com a desumanidade cínica de uma extrema direita!

Enfatizo a importância dessa obra tanto pelo compromisso humanista quanto histórico! O casal Eunice e Rubens Paiva e sua família, ainda que de uma classe média alta do Rio de Janeiro da década de 70 tiveram a vida destroçada pela ditadura militar: prisão, tortura, desaparecimento e reconhecimento da morte após 25 anos! Tudo isso está nos livros de história, mas conferir nas telas do cinema é uma forma de sentir, este é o poder da arte! E os atores foram excepcionais, Fernanda Torres, Selton Melo e todo um elenco que nos fazem reviver a covardia que tanta gente ainda exalta, há quem tenha saudades dessa época!

Fundamental que coloquemos em relevância a memória dos mais de 20 mil mortos pela ditadura militar para que não permaneçam impunes! Nas vésperas do 8 de janeiro, o atentado à democracia no Brasil, lutemos por justiça sempre e para que não vire moda: “sem anistia para golpistas! Bolson@aro na cadeia!”


                                    Wesclei Ribeiro 

*

"Acabamos de assistir Ainda estou aqui. Mesmo que todas as críticas até o momento tenham sido amplamente favoráveis, o filme conseguiu superar nossas melhores expectativas.

De minha parte, ainda estou aqui refletindo sobre tudo: a prisão clandestina de Rubens Paiva, arbitrariedade não assumida pelo Exército; a implícita tortura do ex-deputado do PTB nos porões da ditadura; a morte do pai de família escondida covardemente da mulher e dos filhos por 25 anos.

Considerando que vivi essa época como adolescente, posso dar meu aval à obra, porquanto já fui revistado com a truculência exibida logo no início, na cena da blitz. E, quase aos 70, ainda estou aqui a testemunhar as suas piores sombras até hoje.

Sim, hoje, o noticiário do dia não me deixa mentir. Daí que, por causa da revelada conspiração que tramou a morte de Lula, Alckmin e Moraes, o filme mostrou-se ainda mais real; perigosamente atual.

Já em relação à produção em si, fiquei impressionado com a qualidade e a fluência do roteiro, sobretudo pela delicada beleza extraída de tamanha violência.

Quanto ao elenco, nunca é demais destacar a soberba interpretação de Fernanda Torres vivendo Eunice Paiva, tudo na doce companhia de Selton Melo e suas crianças.

Eunice que também é vivida pela Fernandona, em dupla homenagem que o cinema fez a essa grande mulher."

 

                 Sérgio Bandeira de Mello

*

Não é preciso mostrar cenas de corpos sendo brutalmente machucados e feridos em calabouços de tortura. A tortura, contrária à vida lógica da harmonia quântica, fala por si só. Talvez tenha sido isso que Marcelo Rubens Paiva apontou sobre o modo de abordagem na feitura do filme "Ainda Estou Aqui".

Vivemos tempos que dilaceram, mais que tudo, a lógica divina e benigna da vida, cuja regeneração está também na arte.

Caetano Veloso, no documentário "Narciso em Férias", faz uma análise colossal diante de algo misericordioso, porém claro, enfático e impávido, como Muhammad Ali. Ele relatou o tratamento que recebeu na prisão militar, dizendo algo como: os militares nos tratavam como se não fôssemos humanos — ou, melhor, como se eles não fossem humanos.

Muito se poderia dizer sobre a terrível chaga do não ser, esse estado de "menos ser" do que se poderia. Algo que, em algum momento, transcenderá o espinho e desabrochará na flor dos tempos, trazendo consigo o perfume da razão. Mas foi dito mais, bem mais.

De minha parte, não via o prêmio Globo de Ouro como algo que, de algum modo, tornasse a obra ou seus atos maiores do que já são. No entanto, trata-se de um prêmio que reconhece o que, de fato, merece ser reconhecido. Fico feliz por isso. Emocionei-me duas vezes: a primeira, ao assistir ao filme; a segunda, ao ver Fernandinha sendo premiada. Como ela mesma disse, lucidamente, já sentia a obra e seu trabalho contemplados apenas pelo reconhecimento da indicação.

Fernanda Torres nos traz o florescer de um legado de uma mãe — Fernanda Montenegro — que soube doar-se à arte e à vida. Mais do que isso, sua mãe também nos presenteou com a sensível e grande atriz Fernandinha Torres. Essa trajetória desperta orgulho, especialmente ao ver brasileiras e brasileiros revisitando o que merece ser reconhecido como resistência e beleza.

Eunice Paiva e sua família representam esse sentido: deram destino a algo maior que a dor — o amor. Esse amor perpetuou-se nos filhos e ampliou-se, tornando-se parte daquela família, da família das Fernandas e, de certo modo, de todas e todos nós.

                        

              Adriano Andrade Barboza 


A história do sequestro, tortura e morte de Rubens Paiva ganhou telas no mundo e agora ganha prêmio pela mãos de Fernanda Torres. São muitas Eunices espalhadas em todo o Brasil que lutaram e lutam para denunciar os crimes cometidos pelos aparatos de repressão da ditadura. Até hoje, 61 anos depois do golpe de 1964, ninguém foi responsabilizado por esses crimes. Aqui, no Ceará, tivemos um movimento de muitas mulheres que enfrentaram a ditadura: Dona Nildes (irmã de Frei Tito), Dona Luiza (mãe do Bergson), Dona Lourdes (mãe de uma família inteira perseguida) e muitas outras que nos guiaram pelo exemplo de amor e coragem, que denunciaram, fizeram o Movimento Feminino pela Anistia e exigiram o humano direito por memória, verdade e justiça. Isso nos lembra que o que resta da ditadura ainda é muito. A tortura de ontem normalizou a tortura e as chacinas de hoje nas quebradas do país. É a substância das Mães que denunciam o terrorismo de estado de hoje: como as Mães do Curió ou as Mães de Maio.

 

                                    Renato Roseno 

   “Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada 22 anos depois.” Hilde Angel (Irmã de Stuart e filha de Zuzu Angel)

Segundo a versão mais conhecida de sua morte, dada por Alex Polari, que se encontrava preso no mesmo local e assistiu da janela de sua cela, Stuart foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel. Em alguns momentos entre risos e chacotas, era obrigado a colocar a boca no escapamento do veiculo para aspirar os gases emitidos.

Polari ainda conta na carta, que foi remetida a Zuzu Angel e foi entregue no Dia das mães, que após ser desamarrado, Stuart foi deixado abandonado no chão, com o corpo já bastante esfolado onde seguiu clamando por água noite adentro.

Stuart foi casado com Sônia Morais Angel Jones, presa, torturada e morta dois anos depois. Sonia foi estuprada com um cassetete e depois de torturada, teve seus seios arrancados a alicate. Por fim, recebeu um tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de 1973. Ela tinha 27 anos.

A revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de que um crânio encontrado no Rio é de Stuart fecha um ciclo de angústia na vida de Hildegard Angel e Ana Cristina Angel, suas irmãs. Elas vão poder realizar o desejo da mãe, que lutou até a morte em 1976, para reaver o corpo do filho e enterrar seus restos mortais com dignidade.

"É uma realização muito grande. São 43 anos esperando. Agora quero cumprir a meta da minha mãe, que era enterrá-lo. Nós já sabíamos que meu irmão tinha sido assassinado pelo regime. Stuart não é uma ficção. Ficção quem fez foram os militares, que transformaram em terroristas os aterrorizados", afirmou Hildegard.

Ousar lutar! Ousar vencer! Esquecer jamais!

Stuart Presente! Sonia Presente! Zuzu Presente!

Para honrar os que lutaram e tombaram por Democracia e Justiça!!

Stuart Edgart Angel Jones (1946+1971)

Stuart, que era filho do americano Norman Jones e de Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, figurinista e estilista conhecida internacionalmente, lutou contra a ditadura militar no grupo MR8.

Bicampeão carioca de remo pelo Clube de Regatas Flamengo na adolescência, ele foi estudante de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possuía dupla nacionalidade, brasileira e americana.

Foi preso, torturado e morto por membros do CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica) em 14 de junho de 1971, aos 25 anos de idade. Foi casado com a também militante Sônia Morais Angel Jones, presa, torturada e morta dois anos depois e também dada como desaparecida.

Preso no bairro do Grajaú, perto da Avenida 28 de Setembro, na Zona Norte do Rio, Stuart foi levado pelos agentes à Base Aérea do Galeão para interrogatório. Os militares queriam a localização do ex-capitão Carlos Lamarca, chefe do MR-8 e então o grande procurado pelo regime.

Como se negou a falar, foi barbaramente torturado e espancado. Depois, foi conduzido ao pátio da base, vindo a morrer em consequência dos maus tratos.

Segundo a versão mais conhecida da sua morte, dada por Alex Polari, que se encontrava preso no mesmo local e assistiu da janela de sua cela, Stuart foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel. Em alguns momentos entre risos e chacotas, era obrigado a colocar a boca no escapamento do veiculo para aspirar os gases emitidos.

Polari ainda conta na carta, que foi remetida a Zuzu Angel e foi entregue no Dia das mães, que após ser desamarrado o militante foi deixado abandonado no chão, com o corpo já bastante esfolado onde seguiu clamando por água noite adentro. De posse dela, a estilista denunciou o assassinato de Stuart - que tinha cidadania brasileira e americana - ao senador Edward Kennedy, que levou o caso ao Congresso dos Estados Unidos.

A revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de que um crânio encontrado no Rio é de Stuart fecha um ciclo de angústia na vida de Hildegard Angel e Ana Cristina Angel, suas irmãs. Elas agora planejam realizar o desejo da mãe, a estilista Zuzu Angel, que lutou até a morte em 1976, para reaver o corpo do filho: vão poder enterrar seus restos mortais com dignidade.

"É uma realização muito grande. São 43 anos esperando. Agora quero cumprir a meta da minha mãe, que era enterrá-lo. Nós já sabíamos que meu irmão tinha sido assassinado pelo regime. Stuart não é uma ficção. Ficção quem fez foram os militares, que transformaram em terroristas os aterrorizados", afirmou Hildegard.

O capitão reformado Álvaro Moreira de Oliveira Filho revelou que o corpo de Stuart foi enterrado na cabeceira da pista da base da Aeronáutica de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. O crânio, quase completo, havia sido localizado em 1976 num terreno no centro do Rio, porque a terra da pista fora revolvida numa reforma e levada para o centro pela construtora responsável pelas duas obras.

Stuart, segundo depoimentos de testemunhas, foi o único preso morto pela Aeronáutica naquela ocasião, entre vários outros aprisionados. Sua morte causou a transferência de todos os presos das celas do CISA para outros lugares. No fim daquele ano, toda a cúpula da Aeronáutica foi substituída, devido às pressões causadas pela incessante procura e denúncias do desaparecimento de Stuart por sua mãe, Zuzu Angel, usando a imprensa no Brasil e no exterior.

Até o ano de sua morte (1976), Zuzu, a mãe de Stuart, peregrinou pelo poder militar tentando conseguir explicações e informações sobre o corpo do filho, oficialmente dado como desaparecido.

Sua campanha chegou ao mundo da moda, na qual tinha destaque, com desfiles de coleções feitas com roupas estampadas com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas estampas, tornou-se também o símbolo do filho. Zuzu chegou a realizar em Nova York um desfile-protesto, no consulado do Brasil na cidade.

Usando de sua relativa notoriedade internacional, ela envolveu celebridades de Hollywood que eram suas clientes, como Joan Crawford, Liza Minnelli e Kim Novak, em sua causa, e durante a visita de Henry Kissinger, então secretário de estado norte-americano, ao Brasil, chegou a furar a segurança para entregar-lhe um dossiê com os fatos sobre a morte do filho, também portador da cidadania americana.

Zuzu morreu em 1976, num suspeito acidente de automóvel no bairro de São Conrado, Rio de Janeiro, sem jamais conseguir descobrir o paradeiro do corpo de Stuart Angel.

Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos julgou o caso sob número de processo 237/96 e reconheceu o regime militar como responsável pela morte da estilista.

Sônia Morais Angel Jones

Sônia nasceu no dia 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul. Seus pais, João Luiz de Moraes, militar que chegou a tenente-coronel, e Clea Moraes, sempre descrita como uma pessoa extrao-dinária. Ambos dedicaram suas vidas à preparação educacional de jovens à universidade.

Alegre e destemida, Sônia Angel dedicou sua juventude à luta contra à ditadura militar. De 1968 a 1973, foram oito anos de muitas atividades políticas, quase todos vividos na clandestinidade e dedicados à luta contra ditadura militar.

O contato de Sônia com as idéias revolucionárias começou no ano de 1966, quando ingressou no curso de economia da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Já em seu primeiro dia de aula, foi eleita representante de turma. Sua liderança despontava naturalmente, pois era uma jovem que nunca escondeu seu amor à vida, transmitindo muita alegria com o carisma de sua personalidade divertida e espontânea. Gostava de viajar, namorar e ir a festas, vivendo sua juventude com plenitude e vigor.

Foi, também, na Faculdade de Economia que Sônia conheceu o jovem Stuart Angel Jones, com quem se casou em outubro de 1968. Stuart era um destacado militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), uma das mais importantes organizações surgidas durante o regime militar.

Sônia conheceu cedo os impactos da ação repressiva em sua vida e na de seus companheiros. Em 1969, um grupo de estudantes, entre eles Sônia, com apenas 22 anos, preparava-se para realizar panfletagem em portas de fábricas durante atividades de convocação do 1º de Maio, quando foi preso por agentes do famigerado Departamento de Ordem Política Social (Dops).

O argumento usado para justificar a prisão dos jovens foi o Decreto 477, criado pelo então Ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho, para reprimir as atividades das lideranças estudantis nas escolas e universidades. Com isso, Sônia foi sumariamente expulsa da Faculdade Nacional de Economia da UFRJ, onde já cursava o último ano.

Presa por mais de três meses no prédio do Dops, localizado na Rua da Relação, Sônia protagonizou um dos episódios mais ousados dos anos de chumbo, mostrando sua firmeza de jovem militante. Havia sido agendada uma visita do então Secretário de Segurança, o general Luiz de França Oliveira.

Ordenaram que todas as “detentas” ficassem sentadas em círculo e, a partir do apito do carcereiro, levantassem e se colocassem em posição de sentido diante do general. Todas obedeceram às instruções, menos Sônia, que permaneceu no seu lugar.

O general entrou na cela e dirigiu-se a ela, exigindo que cumprisse as determinações: - Levante-se, minha senhora. A senhora está diante de uma autoridade e deve reverenciá-lo. Sônia manteve-se sentada e respondeu com firmeza: Não me levanto pra policial nenhum!

Diante do clima de constrangimento e do receio por parte dos repressores de que aquela atitude contagiasse as demais prisioneiras, os carrascos recuaram e ordenaram que as outras presas sentassem.

Sônia foi julgada e absolvida duas vezes, por unanimidade, pelo Tribunal Superior Militar. No entanto, sua absolvição não significaria liberdade e segurança.

Sônia e Stuart estavam conscientes da realidade cruel que tomava conta do País naqueles anos de escuridão. O aparta-mento do casal, localizado na Rua Pinto de Figueiredo, na Tijuca, tradicional bairro de classe média carioca, fora invadido, revirado, saqueado e destruído pelas forças da repressão e estava sob vigilância constante. Tal situação levou Sônia a tomar todos os cuidados logo após sua saída da prisão no Dops, pois estava ciente de que iriam fazer de tudo para capturá-la novamente.

Alguns dias após sua absolvição da Justiça Militar, um representante do então I Exército (atual Comando Militar do Leste) foi à casa de seus pais, levando uma intimação para que Sônia se apresentasse para prestar depoimento. A intimação não passava de uma manobra dos militares para prendê-la, enquadrá-la em novo processo e, com isso, mantê-la encarcerada.

Como Sônia já havia se juntado a Stuart em lugar ignorado, seu pai, João de Moraes, se prontificou a dar os esclarecimentos em seu lugar. Na saída do quartel, um companheiro de João que estudara com ele na Escola Militar lhe alertou: “Moraes, não deixe sua filha aparecer nunca mais, porque vão matá-la”.

Já eram crescentes as ações armadas em todo o país. Diante da situação, os pais de Sônia e os dirigentes do MR-8 concordaram que seria melhor o exílio voluntário do casal. Mas Stuart, peça-chave da organização, não admitiu deixar seus companheiros e decidiu ficar, não havendo nada que o demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria retirada do País, uma tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política. Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.

A saída de Sônia do Brasil foi marcada por muitas dificuldades. Até a chegada na fronteira, a fuga clandestina ocorreu com “relativa normalidade”, apesar de duas revistas minuciosas por patrulhas do Exército, espalhadas pelas estradas na busca desenfreada ao Capitão Carlos Lamarca, embrenhado com seus guerrilheiros nas matas do Vale do Ribeira. No Paraguai, um acidente com o carro deixou-os muito feridos, quase comprometendo a ação, mas a viagem prosseguiu e o embarque para a França aconteceu.

No exílio em Paris, Sônia continuou sua militância. Couberam-lhe as tarefas (exercidas por ela com grande desprendimento), de micro-filmar os materiais enviados pelo MR-8 e dar assistência política e ideológica aos companheiros enviados para fora do Brasil, confortando e apoiando, material e psicologicamente, os que estavam traumatizados pela violência da tortura, da distância do país e da família.

A necessidade de organizar seus companheiros fez com que Sônia se transferisse para Santiago, no Chile. Foi lá que soube da morte de Stuart e das bárbaras circunstâncias do seu assassinato, cometido pela ditadura militar. A notícia deixou-a completamente arrasada e cristalizou ainda mais sua aspiração de retornar ao Brasil.

Para sobreviver, passou a trabalhar como fotógrafa profissional e se ingressou na Ação Libertadora Nacional (ALN), chegando ao Brasil em maio de 1973, aonde encontrou um novo companheiro, Antônio Carlos Bicalho Lana.

Com a “infiltração” de agentes da ditadura, espionando suas atividades, não demorou e a repressão armou uma emboscada para prender Lana e Sônia.

A data exata da prisão nunca foi estabelecida, mas sabe-se que era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir com destino a São Paulo.

Vários agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente, nas imediações da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente, encontravam-se outros policiais à espera que os dois descessem do ônibus para comprar os bilhetes.

Quando lá chegaram, apenas Lana desceu do ônibus. Cinco agentes esperavam dentro da agência e outros chegaram em vários carros. No guichê, o militante entrou em luta corporal com os policiais, mas foi dominado a socos e pontapés, levando uma coronhada de fuzil na boca.

Sônia, ao levantar-se do banco, foi agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro carro.

Os dois ainda estavam presos quando a ditadura militar se encarregou de divulgar nos principais órgãos de imprensa que ambos haviam morrido numa troca de tiros em São Paulo. A família de Sônia só pôde descobrir o fato porque sua mãe havia exigido que ela lhe contasse seu nome clandestino: Esmeralda.

O empenho da família, que se dirigiu às pressas até a cidade litorânea de São Vicente, onde residiam Lana e Sônia, na tentativa de resgatar o corpo das vítimas, foi frustrado. O clima de enfrentamento da família Moraes com os militares chegou ao absurdo das ameaças de morte e ao constrangimento da prisão de seu pai.

Posteriormente, após um exaustivo processo de investigação, ficou claro que enquanto João Moraes estava preso, Sônia foi seqüestrada e conduzida para o Rio de Janeiro, onde padeceu monstruosas torturas. Levada de volta a São Paulo, aonde sofreu novas torturas, estupro e seviciamento. Por fim, recebeu um tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de 1973. Ela tinha 27 anos.

Sonia foi enterrada como indigente no cemitério de Perus e seus restos mortais foram localizados graças aos esforços das entidades que atuam em apoio às famílias de mortos e desaparecidos políticos.

 

Vinicio Schumacher Santa Maria

Balbúrdia PoÉtica 6 - 17 maio - 20h - Usina4 - Cabo Frio-RJ

moinhos de vento por tanto tempo por tanta escrita por tanta carta sem resposta nossos moinhos de vento muito além da mesa posta ainda trago...