Incontinência Verbal
eles
tentaram
além de nos
calar/apagar
um espaço/tempo
do país onde nascemos
viemos dos
40 50 60 70 80 90 2000
o que vivemos
o que fizemos
o que fazemos
onde estamos
o que faremos
pra onde iremos
o que sabemos
incomoda/desconforta
conhecimento liberta
é porta aberta
e não um vão estreito
em cada porta
Artur Gomes
in Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
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https://fulinaimacentrodearte.blogspot.com/
*
Pastor de Andrade - o antropófago quando saiu do exército em Vitória do Espírito Santo no final do ano de 1962, foi alçado ao cargo de espião do IPES e logo depois a agente do Doi-Codi. Descobrimos então que antes de ser Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus e Patrono da Mocidade Independente de Escola de Olivácio a Escola de Samba Oculta no Inconsciente Coletivo ele foi agente da repressão infiltrado no CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica). Essa descoberta só foi possível depois de alguns depoimentos de ex-presos políticos sobre os 60 anos do Golpe de 1964, onde estavam no dia 1º de Abril e o que aconteceu com eles a partir dali.
Federico Baudelaire
In Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
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“Os falsos patriotas estão arrasados com a vitória de Fernanda
Torres e Eunice Paiva
Vitória do cinema brasileiro serve também para mostrar ao
mundo uma parte do que foram os terríveis anos de Ditadura no Brasil
Há uma parcela da população extremamente incomodada com a
vitória de Fernanda Torres, a melhor atriz no Globo de Ouro. Uma vitória do
cinema brasileiro, não apenas dela.
São os que se chamam de patriotas. Falsos patriotas, patriotas
de araque, arautos de uma Pátria criada a partir das morte, da injúria, da
tortura. De uma Pátria criada partir do desaparecimento de quem pensa
diferente.
Não foi Jair Bolsonaro, o Mito dessa gente, que, de maneira
covarde e abjeta, cuspiu na estátua de Rubens Paiva? Pois, agora, vê a vitória
de Eunice Paiva - personificada visceralmente por Fernanda Torres - em palco
internacional.
Os bolsonaristas - gente inculta e que reza por pneus - tentou
boicotar o filme. E ele é o mais visto, com mais de três milhões de pessoas.
Eles tentaram calar o cinema brasileiro e estão vendo sua grande vitória.
É mais uma derrota para quem não teve competência para dar o
golpe - mais um - nas instituições. Outras derrotas virão. Quem sabe, contando
a prisão do mito de pés de barro.”
Nos porões da Ditadura, uma flor
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos
Humanos da Presidência da República, disse que as descobertas feitas pela
Comissão Nacional da Verdade (CNV), como o esclarecimento da morte do deputado
Rubens Paiva, abrem uma oportunidade para "todos aqueles, militares ou
civis, que participaram daquela época de torturas em nome do Estado, façam um
acerto de contas com a consciência, que devem ter". A declaração foi feita
nesta sexta-feira, 28, em Porto Alegre, onde a ministra participou do lançamento
local da Campanha Nacional pelo Fim da Violência Contra Crianças e
Adolescentes.
Na quinta-feira, 27, no Rio de Janeiro, a CNV afirmou que Paiva foi torturado e
morto pelo então tenente Antônio Fernando Hugues de Carvalho, já falecido, em
21 de janeiro de 1971, nas dependências do Destacamento de Operações de
Informações (DOI) do 1º Exército, com a ressalva de que o militar pode não ter
agido sozinho. Também sustentou que o comandante do DOI à época, o então major
José Antônio Nogueira Belham, hoje general reformado, estava informado da
tortura.
"O Brasil não aceita mais que os torturadores de ontem ou de hoje
permaneçam impunes diante de seus crimes", afirmou Maria do Rosário. A
ministra admitiu que o País tem a barreira da Lei da Anistia para casos
ocorridos no regime militar e que eventuais caminhos para a superação disso
podem ser apontados pelo Ministério Público Federal e a própria CNV.
Para Maria do Rosário, a revelação da verdade pode ser a principal punição
"para esses que tiveram uma falsa ideia de que estariam sob o manto de uma
mentira ou da impunidade terem seu nomes conhecidos pelas atuais gerações e
terem vergonha de serem apontados como torturadores".
“Ainda estou aqui” emociona, revolta e faz pensar no Brasil
atual de tantas intolerâncias, que encontra quem se identifique com a
desumanidade cínica de uma extrema direita!
Enfatizo a importância dessa obra tanto pelo compromisso humanista quanto
histórico! O casal Eunice e Rubens Paiva e sua família, ainda que de uma classe
média alta do Rio de Janeiro da década de 70 tiveram a vida destroçada pela
ditadura militar: prisão, tortura, desaparecimento e reconhecimento da morte
após 25 anos! Tudo isso está nos livros de história, mas conferir nas telas do
cinema é uma forma de sentir, este é o poder da arte! E os atores foram
excepcionais, Fernanda Torres, Selton Melo e todo um elenco que nos fazem
reviver a covardia que tanta gente ainda exalta, há quem tenha saudades dessa
época!
Fundamental que coloquemos em relevância a memória dos mais de 20 mil mortos
pela ditadura militar para que não permaneçam impunes! Nas vésperas do 8 de
janeiro, o atentado à democracia no Brasil, lutemos por justiça sempre e para que
não vire moda: “sem anistia para golpistas! Bolson@aro na cadeia!”
Wesclei
Ribeiro
*
"Acabamos de assistir Ainda estou aqui. Mesmo que todas as
críticas até o momento tenham sido amplamente favoráveis, o filme conseguiu
superar nossas melhores expectativas.
De minha parte, ainda estou aqui refletindo sobre tudo: a
prisão clandestina de Rubens Paiva, arbitrariedade não assumida pelo Exército;
a implícita tortura do ex-deputado do PTB nos porões da ditadura; a morte do
pai de família escondida covardemente da mulher e dos filhos por 25 anos.
Considerando que vivi essa época como adolescente, posso dar
meu aval à obra, porquanto já fui revistado com a truculência exibida logo no
início, na cena da blitz. E, quase aos 70, ainda estou aqui a testemunhar as
suas piores sombras até hoje.
Sim, hoje, o noticiário do dia não me deixa mentir. Daí que,
por causa da revelada conspiração que tramou a morte de Lula, Alckmin e Moraes,
o filme mostrou-se ainda mais real; perigosamente atual.
Já em relação à produção em si, fiquei impressionado com a
qualidade e a fluência do roteiro, sobretudo pela delicada beleza extraída de
tamanha violência.
Quanto ao elenco, nunca é demais destacar a soberba
interpretação de Fernanda Torres vivendo Eunice Paiva, tudo na doce companhia
de Selton Melo e suas crianças.
Eunice que também é vivida pela Fernandona, em dupla homenagem
que o cinema fez a essa grande mulher."
Sérgio Bandeira de Mello
*
Não é preciso mostrar cenas de corpos sendo brutalmente
machucados e feridos em calabouços de tortura. A tortura, contrária à vida
lógica da harmonia quântica, fala por si só. Talvez tenha sido isso que Marcelo
Rubens Paiva apontou sobre o modo de abordagem na feitura do filme "Ainda
Estou Aqui".
Vivemos tempos que dilaceram, mais que tudo, a lógica divina e
benigna da vida, cuja regeneração está também na arte.
Caetano Veloso, no documentário "Narciso em Férias",
faz uma análise colossal diante de algo misericordioso, porém claro, enfático e
impávido, como Muhammad Ali. Ele relatou o tratamento que recebeu na prisão
militar, dizendo algo como: os militares nos tratavam como se não fôssemos
humanos — ou, melhor, como se eles não fossem humanos.
Muito se poderia dizer sobre a terrível chaga do não ser, esse
estado de "menos ser" do que se poderia. Algo que, em algum momento,
transcenderá o espinho e desabrochará na flor dos tempos, trazendo consigo o
perfume da razão. Mas foi dito mais, bem mais.
De minha parte, não via o prêmio Globo de Ouro como algo que,
de algum modo, tornasse a obra ou seus atos maiores do que já são. No entanto,
trata-se de um prêmio que reconhece o que, de fato, merece ser reconhecido.
Fico feliz por isso. Emocionei-me duas vezes: a primeira, ao assistir ao filme;
a segunda, ao ver Fernandinha sendo premiada. Como ela mesma disse,
lucidamente, já sentia a obra e seu trabalho contemplados apenas pelo
reconhecimento da indicação.
Fernanda Torres nos traz o florescer de um legado de uma mãe —
Fernanda Montenegro — que soube doar-se à arte e à vida. Mais do que isso, sua
mãe também nos presenteou com a sensível e grande atriz Fernandinha Torres.
Essa trajetória desperta orgulho, especialmente ao ver brasileiras e
brasileiros revisitando o que merece ser reconhecido como resistência e beleza.
Eunice Paiva e sua família representam esse sentido: deram
destino a algo maior que a dor — o amor. Esse amor perpetuou-se nos filhos e
ampliou-se, tornando-se parte daquela família, da família das Fernandas e, de
certo modo, de todas e todos nós.
Adriano
Andrade Barboza
A história do sequestro, tortura e morte de Rubens Paiva ganhou telas no mundo e agora ganha prêmio pela mãos de Fernanda Torres. São muitas Eunices espalhadas em todo o Brasil que lutaram e lutam para denunciar os crimes cometidos pelos aparatos de repressão da ditadura. Até hoje, 61 anos depois do golpe de 1964, ninguém foi responsabilizado por esses crimes. Aqui, no Ceará, tivemos um movimento de muitas mulheres que enfrentaram a ditadura: Dona Nildes (irmã de Frei Tito), Dona Luiza (mãe do Bergson), Dona Lourdes (mãe de uma família inteira perseguida) e muitas outras que nos guiaram pelo exemplo de amor e coragem, que denunciaram, fizeram o Movimento Feminino pela Anistia e exigiram o humano direito por memória, verdade e justiça. Isso nos lembra que o que resta da ditadura ainda é muito. A tortura de ontem normalizou a tortura e as chacinas de hoje nas quebradas do país. É a substância das Mães que denunciam o terrorismo de estado de hoje: como as Mães do Curió ou as Mães de Maio.
Renato
Roseno
“Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo
não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada
22 anos depois.” Hilde
Angel (Irmã de Stuart e filha de Zuzu Angel)
Segundo a versão mais conhecida de sua morte, dada por Alex
Polari, que se encontrava preso no mesmo local e assistiu da janela de sua
cela, Stuart foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel.
Em alguns momentos entre risos e chacotas, era obrigado a colocar a boca no
escapamento do veiculo para aspirar os gases emitidos.
Polari ainda conta na carta, que foi remetida a Zuzu Angel e
foi entregue no Dia das mães, que após ser desamarrado, Stuart foi deixado
abandonado no chão, com o corpo já bastante esfolado onde seguiu clamando por
água noite adentro.
Stuart foi casado com Sônia Morais Angel Jones, presa,
torturada e morta dois anos depois. Sonia foi estuprada com um cassetete e
depois de torturada, teve seus seios arrancados a alicate. Por fim, recebeu um
tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de 1973. Ela tinha 27
anos.
A revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de que um
crânio encontrado no Rio é de Stuart fecha um ciclo de angústia na vida de
Hildegard Angel e Ana Cristina Angel, suas irmãs. Elas vão poder realizar o
desejo da mãe, que lutou até a morte em 1976, para reaver o corpo do filho e
enterrar seus restos mortais com dignidade.
"É uma realização muito grande. São 43 anos esperando.
Agora quero cumprir a meta da minha mãe, que era enterrá-lo. Nós já sabíamos
que meu irmão tinha sido assassinado pelo regime. Stuart não é uma ficção.
Ficção quem fez foram os militares, que transformaram em terroristas os
aterrorizados", afirmou Hildegard.
Ousar lutar! Ousar vencer! Esquecer jamais!
Stuart Presente! Sonia Presente! Zuzu Presente!
Para honrar os que lutaram e tombaram por Democracia e
Justiça!!
Stuart Edgart Angel Jones (1946+1971)
Stuart, que era filho do americano Norman Jones e de Zuleika
Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, figurinista e estilista conhecida
internacionalmente, lutou contra a ditadura militar no grupo MR8.
Bicampeão carioca de remo pelo Clube de Regatas Flamengo na
adolescência, ele foi estudante de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Possuía dupla nacionalidade, brasileira e americana.
Foi preso, torturado e morto por membros do CISA (Centro de
Informações de Segurança da Aeronáutica) em 14 de junho de 1971, aos 25 anos de
idade. Foi casado com a também militante Sônia Morais Angel Jones, presa,
torturada e morta dois anos depois e também dada como desaparecida.
Preso no bairro do Grajaú, perto da Avenida 28 de Setembro, na
Zona Norte do Rio, Stuart foi levado pelos agentes à Base Aérea do Galeão para
interrogatório. Os militares queriam a localização do ex-capitão Carlos
Lamarca, chefe do MR-8 e então o grande procurado pelo regime.
Como se negou a falar, foi barbaramente torturado e espancado.
Depois, foi conduzido ao pátio da base, vindo a morrer em consequência dos maus
tratos.
Segundo a versão mais conhecida da sua morte, dada por Alex
Polari, que se encontrava preso no mesmo local e assistiu da janela de sua
cela, Stuart foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel.
Em alguns momentos entre risos e chacotas, era obrigado a colocar a boca no
escapamento do veiculo para aspirar os gases emitidos.
Polari ainda conta na carta, que foi remetida a Zuzu Angel e
foi entregue no Dia das mães, que após ser desamarrado o militante foi deixado
abandonado no chão, com o corpo já bastante esfolado onde seguiu clamando por
água noite adentro. De posse dela, a estilista denunciou o assassinato de
Stuart - que tinha cidadania brasileira e americana - ao senador Edward
Kennedy, que levou o caso ao Congresso dos Estados Unidos.
A revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de que um
crânio encontrado no Rio é de Stuart fecha um ciclo de angústia na vida de
Hildegard Angel e Ana Cristina Angel, suas irmãs. Elas agora planejam realizar
o desejo da mãe, a estilista Zuzu Angel, que lutou até a morte em 1976, para
reaver o corpo do filho: vão poder enterrar seus restos mortais com dignidade.
"É uma realização muito grande. São 43 anos esperando.
Agora quero cumprir a meta da minha mãe, que era enterrá-lo. Nós já sabíamos
que meu irmão tinha sido assassinado pelo regime. Stuart não é uma ficção.
Ficção quem fez foram os militares, que transformaram em terroristas os
aterrorizados", afirmou Hildegard.
O capitão reformado Álvaro Moreira de Oliveira Filho revelou
que o corpo de Stuart foi enterrado na cabeceira da pista da base da
Aeronáutica de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. O crânio, quase completo,
havia sido localizado em 1976 num terreno no centro do Rio, porque a terra da
pista fora revolvida numa reforma e levada para o centro pela construtora
responsável pelas duas obras.
Stuart, segundo depoimentos de testemunhas, foi o único preso
morto pela Aeronáutica naquela ocasião, entre vários outros aprisionados. Sua
morte causou a transferência de todos os presos das celas do CISA para outros
lugares. No fim daquele ano, toda a cúpula da Aeronáutica foi substituída,
devido às pressões causadas pela incessante procura e denúncias do
desaparecimento de Stuart por sua mãe, Zuzu Angel, usando a imprensa no Brasil
e no exterior.
Até o ano de sua morte (1976), Zuzu, a mãe de Stuart,
peregrinou pelo poder militar tentando conseguir explicações e informações
sobre o corpo do filho, oficialmente dado como desaparecido.
Sua campanha chegou ao mundo da moda, na qual tinha destaque,
com desfiles de coleções feitas com roupas estampadas com manchas vermelhas,
pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas
estampas, tornou-se também o símbolo do filho. Zuzu chegou a realizar em Nova
York um desfile-protesto, no consulado do Brasil na cidade.
Usando de sua relativa notoriedade internacional, ela envolveu
celebridades de Hollywood que eram suas clientes, como Joan Crawford, Liza
Minnelli e Kim Novak, em sua causa, e durante a visita de Henry Kissinger,
então secretário de estado norte-americano, ao Brasil, chegou a furar a
segurança para entregar-lhe um dossiê com os fatos sobre a morte do filho,
também portador da cidadania americana.
Zuzu morreu em 1976, num suspeito acidente de automóvel no
bairro de São Conrado, Rio de Janeiro, sem jamais conseguir descobrir o
paradeiro do corpo de Stuart Angel.
Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos
julgou o caso sob número de processo 237/96 e reconheceu o regime militar como
responsável pela morte da estilista.
Sônia Morais Angel Jones
Sônia nasceu no dia 9 de novembro de 1946, em Santiago do
Boqueirão, no Rio Grande do Sul. Seus pais, João Luiz de Moraes, militar que
chegou a tenente-coronel, e Clea Moraes, sempre descrita como uma pessoa
extrao-dinária. Ambos dedicaram suas vidas à preparação educacional de jovens à
universidade.
Alegre e destemida, Sônia Angel dedicou sua juventude à luta
contra à ditadura militar. De 1968 a 1973, foram oito anos de muitas atividades
políticas, quase todos vividos na clandestinidade e dedicados à luta contra
ditadura militar.
O contato de Sônia com as idéias revolucionárias começou no
ano de 1966, quando ingressou no curso de economia da Universidade Federal de
Rio de Janeiro (UFRJ). Já em seu primeiro dia de aula, foi eleita representante
de turma. Sua liderança despontava naturalmente, pois era uma jovem que nunca
escondeu seu amor à vida, transmitindo muita alegria com o carisma de sua
personalidade divertida e espontânea. Gostava de viajar, namorar e ir a festas,
vivendo sua juventude com plenitude e vigor.
Foi, também, na Faculdade de Economia que Sônia conheceu o
jovem Stuart Angel Jones, com quem se casou em outubro de 1968. Stuart era um
destacado militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), uma das
mais importantes organizações surgidas durante o regime militar.
Sônia conheceu cedo os impactos da ação repressiva em sua vida
e na de seus companheiros. Em 1969, um grupo de estudantes, entre eles Sônia,
com apenas 22 anos, preparava-se para realizar panfletagem em portas de
fábricas durante atividades de convocação do 1º de Maio, quando foi preso por
agentes do famigerado Departamento de Ordem Política Social (Dops).
O argumento usado para justificar a prisão dos jovens foi o
Decreto 477, criado pelo então Ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho,
para reprimir as atividades das lideranças estudantis nas escolas e
universidades. Com isso, Sônia foi sumariamente expulsa da Faculdade Nacional
de Economia da UFRJ, onde já cursava o último ano.
Presa por mais de três meses no prédio do Dops, localizado na
Rua da Relação, Sônia protagonizou um dos episódios mais ousados dos anos de
chumbo, mostrando sua firmeza de jovem militante. Havia sido agendada uma
visita do então Secretário de Segurança, o general Luiz de França Oliveira.
Ordenaram que todas as “detentas” ficassem sentadas em círculo
e, a partir do apito do carcereiro, levantassem e se colocassem em posição de
sentido diante do general. Todas obedeceram às instruções, menos Sônia, que
permaneceu no seu lugar.
O general entrou na cela e dirigiu-se a ela, exigindo que
cumprisse as determinações: - Levante-se, minha senhora. A senhora está diante
de uma autoridade e deve reverenciá-lo. Sônia manteve-se sentada e respondeu
com firmeza: Não me levanto pra policial nenhum!
Diante do clima de constrangimento e do receio por parte dos
repressores de que aquela atitude contagiasse as demais prisioneiras, os
carrascos recuaram e ordenaram que as outras presas sentassem.
Sônia foi julgada e absolvida duas vezes, por unanimidade,
pelo Tribunal Superior Militar. No entanto, sua absolvição não significaria
liberdade e segurança.
Sônia e Stuart estavam conscientes da realidade cruel que
tomava conta do País naqueles anos de escuridão. O aparta-mento do casal,
localizado na Rua Pinto de Figueiredo, na Tijuca, tradicional bairro de classe
média carioca, fora invadido, revirado, saqueado e destruído pelas forças da
repressão e estava sob vigilância constante. Tal situação levou Sônia a tomar
todos os cuidados logo após sua saída da prisão no Dops, pois estava ciente de
que iriam fazer de tudo para capturá-la novamente.
Alguns dias após sua absolvição da Justiça Militar, um
representante do então I Exército (atual Comando Militar do Leste) foi à casa
de seus pais, levando uma intimação para que Sônia se apresentasse para prestar
depoimento. A intimação não passava de uma manobra dos militares para
prendê-la, enquadrá-la em novo processo e, com isso, mantê-la encarcerada.
Como Sônia já havia se juntado a Stuart em lugar ignorado, seu
pai, João de Moraes, se prontificou a dar os esclarecimentos em seu lugar. Na
saída do quartel, um companheiro de João que estudara com ele na Escola Militar
lhe alertou: “Moraes, não deixe sua filha aparecer nunca mais, porque vão
matá-la”.
Já eram crescentes as ações armadas em todo o país. Diante da
situação, os pais de Sônia e os dirigentes do MR-8 concordaram que seria melhor
o exílio voluntário do casal. Mas Stuart, peça-chave da organização, não
admitiu deixar seus companheiros e decidiu ficar, não havendo nada que o
demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria retirada do País, uma
tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política.
Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.
A saída de Sônia do Brasil foi marcada por muitas
dificuldades. Até a chegada na fronteira, a fuga clandestina ocorreu com
“relativa normalidade”, apesar de duas revistas minuciosas por patrulhas do
Exército, espalhadas pelas estradas na busca desenfreada ao Capitão Carlos
Lamarca, embrenhado com seus guerrilheiros nas matas do Vale do Ribeira. No
Paraguai, um acidente com o carro deixou-os muito feridos, quase comprometendo
a ação, mas a viagem prosseguiu e o embarque para a França aconteceu.
No exílio em Paris, Sônia continuou sua militância.
Couberam-lhe as tarefas (exercidas por ela com grande desprendimento), de
micro-filmar os materiais enviados pelo MR-8 e dar assistência política e
ideológica aos companheiros enviados para fora do Brasil, confortando e
apoiando, material e psicologicamente, os que estavam traumatizados pela
violência da tortura, da distância do país e da família.
A necessidade de organizar seus companheiros fez com que Sônia
se transferisse para Santiago, no Chile. Foi lá que soube da morte de Stuart e
das bárbaras circunstâncias do seu assassinato, cometido pela ditadura militar.
A notícia deixou-a completamente arrasada e cristalizou ainda mais sua
aspiração de retornar ao Brasil.
Para sobreviver, passou a trabalhar como fotógrafa
profissional e se ingressou na Ação Libertadora Nacional (ALN), chegando ao
Brasil em maio de 1973, aonde encontrou um novo companheiro, Antônio Carlos
Bicalho Lana.
Com a “infiltração” de agentes da ditadura, espionando suas
atividades, não demorou e a repressão armou uma emboscada para prender Lana e
Sônia.
A data exata da prisão nunca foi estabelecida, mas sabe-se que
era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir
com destino a São Paulo.
Vários agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente,
nas imediações da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente,
encontravam-se outros policiais à espera que os dois descessem do ônibus para
comprar os bilhetes.
Quando lá chegaram, apenas Lana desceu do ônibus. Cinco
agentes esperavam dentro da agência e outros chegaram em vários carros. No
guichê, o militante entrou em luta corporal com os policiais, mas foi dominado
a socos e pontapés, levando uma coronhada de fuzil na boca.
Sônia, ao levantar-se do banco, foi agarrada e levou um
pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos pés e foi colocada em um
Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro carro.
Os dois ainda estavam presos quando a ditadura militar se
encarregou de divulgar nos principais órgãos de imprensa que ambos haviam
morrido numa troca de tiros em São Paulo. A família de Sônia só pôde descobrir
o fato porque sua mãe havia exigido que ela lhe contasse seu nome clandestino:
Esmeralda.
O empenho da família, que se dirigiu às pressas até a cidade
litorânea de São Vicente, onde residiam Lana e Sônia, na tentativa de resgatar
o corpo das vítimas, foi frustrado. O clima de enfrentamento da família Moraes
com os militares chegou ao absurdo das ameaças de morte e ao constrangimento da
prisão de seu pai.
Posteriormente, após um exaustivo processo de investigação,
ficou claro que enquanto João Moraes estava preso, Sônia foi seqüestrada e
conduzida para o Rio de Janeiro, onde padeceu monstruosas torturas. Levada de
volta a São Paulo, aonde sofreu novas torturas, estupro e seviciamento. Por
fim, recebeu um tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de
1973. Ela tinha 27 anos.
Sonia foi enterrada como indigente no cemitério de Perus e
seus restos mortais foram localizados graças aos esforços das entidades que
atuam em apoio às famílias de mortos e desaparecidos políticos.