O Homem Com
A Flor Na
Boca
:
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
Poética, política e memória
Escrever prefácio para um livro de Artur Gomes é um desafio prazeroso. Desafiante é mergulhar no universo imagético e político que sempre compôs sua poética. Este O Homem Com A Flor Na Boca : Deus Não Joga Dados acrescenta o substrato memorialístico ao seu repertório formando a tríade que sustenta o livro temática e formalmente. Meu primeiro contato com a poesia de Artur se deu nos anos 80 por intermédio de seu livro Suor & Cio, obra cuja temática estava em consonância com as reflexões suscitadas pelas “comemorações” do centenário da Abolição da Escravatura em 1988. A partir daí, acompanhei suas criações tanto impressas quanto performáticas, pois Artur não é poeta apenas de livros e silêncios das salas de estares, livrarias e bibliotecas, mas também dos bares, ruas e praças que são do poeta como o céu é do condor.
Poucos poetas contemporâneos expressam tão bem as principais bandeiras do Modernismo de 22 quanto esse vate pós-moderno. Sua poesia é política, antropofágica, nonsense, musical, polifônica e sobretudo intertextual, além de dotada de uma brasilidade corrosiva, avessa ao nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra de “Santa cruz”.
Neste livro estão todas essas marcas do poeta às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele, Artur não apenas rememora antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e paródias como traz para seus versos passagens assumidamente biográficas, se apropriando, em alguns momentos, do gênero diário.
Estão contidos nessas memórias seus vários heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè, Federika Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre com o poeta português Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta menos na autoria do que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem dos poemas para a realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta e os leitores.
É Gigi Mocidade, por exemplo, que carrega a bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência ou morte”, já nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico Baudelaire “escrevo para não morrer antes da morte” anuncia a intenção memorialística. Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão, argumenta que a escrita seria a morte da memória, mas o que seria de todo o repertório literário não fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam tantos signos produtores de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a razão? A escrita não se tornou a morte da memória, mas impossibilitou a morte dos poetas eternizados nas páginas dos livros e memórias dos leitores.
poema 10
meus
caninos
já
foram místicos
simbolistas
sócio
políticos
sensuais
eróticos
mordendo
alguma história
agora
estão famintos
cravados
na memória
Nesses oito versos, o autor nos
apresenta metalinguisticamente seu percurso poético até este livro que não é
uma obra dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des) norteia o
poeta que não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que nunca
deixaram de afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.
poema 12
tem
algo de errado
nessas
estatísticas de mortes
dessa
pandemia
multipliquem 60.000 X 10
e
ainda não vai ser exato
o
número de cadáveres
empilhados
nos campos de concentração
que
dá um nome ao país
que
ainda nem era uma nação
A verve
surrealista do poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos
protagonizados por personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à
conhecida protagonista de A hora da estrela de Clarice Lispector) e
alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.
Em FULINAIMAGEM 14 o tom de diário se instaura com inscrição de data do acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor: “a minha relação poesia teatro poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena a necessidade do corpo como expressão”. Artur Gomes, este homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem presente, da vida presente. Parafraseando Drummond, com O Homem Com A Flor Na Boca, “não nos afastemos, não nos afastemos muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de Artur.
Adriano Carlos Moura
Professor de Literatura – IFFluminense, Campos dos Goytacazes-RJ –
6
outubro - 2022
a mulher dos sonhos
voltou ontem
sedenta faminta insaciável
esgotou-me
à última gota
mesmo vazio
me senti um tanto cheio
nem foi delírio loucura
porque vi no meu e-mail
o nome da criatura
Em 1995 no Centro Cultural Maria
Antônia, na USP, em cia da minha querida amiga Silvia Passareli, assisti uma
encenação de Cacá de Carvalho, com texto de Pirandello que me pegou da medula
ao osso. A plateia era de 40 pessoas apenas e Cacá circulava entre nós com a
sua energia pulsante magnética. O texto era um fragmento de uma trilogia que
ele deu o nome de O Homem Com A Flor Na
Boca. E a ele, Cacá de Carvalho, dedicamos este livro.
chamaram-me de atrevido
o fonema entrou pelos ouvidos
como um raio de Iansã
Eva nem percebeu
a serpente no espelho
a mordida na Maçã
Deus não joga dados
Mas a gente lança
tenta –
em arte tudo se inventa
Eu tenho flores
com a língua atravessada em cada canto da boca
Dê Livros
Dê Beijos
Dê Lírios
Dê Líricas
Bebo teus olhos atlânticos
e tua voz portuguesa
como quem bebe no Tejo
saudades de Lisboa
caminho com os teus passos
em direção ao poema do desassossego
Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa
ressignificar eis o verbo
no poema do absinto
o sentido mais concreto
ou mesmo o abstrato
na argamassa do absurdo
Baudeléricas
o poema um beijo em tua boca bruna tem um B entranhado entre as coxas a pele das amoras gemem quando venta forte em tuas fendas do hoje comi duas nessa manhã incendiária quando vim da cacomanga trouxe nos bolsos da calça remendada linha carretel cola de trigo cerol bambu papel de pipa pique bandeira pique esconde jabuti preá da índia pés de abóboras replantáveis o pé de abacate ainda não nasceu Isadora chegou ontem 30 de março numa tarde outono à sol aberto noite gelada frio na medula maya ainda escreve sobre depressão no tempo folks may abriu as asas pra malásia e a outra mora do outro lado em outra terra rio grande muito longe tenho sede
a flor da pele ainda sangra
quixaba
uma palavra estranha
assim como katchup guanabara guaxindiba
guarapari lembra-me índio capixaba
goiaba carne vermelha
o corpo nu diante do espelho
página do livro onde grafitei
o couro cru & carne viva
alga marinha nascida em mar de angra
a flor da pele ainda sangra
como último beijo mordido na boca
sem sinal de despedida
com os dentes cravados na memória
tontas
vezes me re-par-to mul-ti-pli-co em 7
alegria dos noves fora nada tudo é baudelérico federico me dizia leonardo fez 80
afonso 84 na rede somos 3 quando ele vem já somos 4 em temporais escrevo e sangro
como boi antes da morte muitos outros já se foram e nem gozaram em 69 se eu me
lembrar 64 não posso esquecer 68 era uma noite de maio peguei o trem pra são
cristóvão depois avião para brasília quando voltei no espelho dédala já estava
dentro da tipografia
Ofício de
Poeta
franzir a noite
é o mesmo que bordar o dia
costuro o tempo
com linha de pescar moinhos de vento
entre o franzido e o bordado
escrevo um desenredo
e vou foto.grafando
filmando poesia
na solidão dos meus brinquedos
II
costuro arco-íris
com linhas de bordar
teus olhos d´água
III
pego na enxada diariamente
para capinar o quintal
da estação três cinco três
literalmente
não é metáfora
para lamber cio da terra
como na canção que Chico fez
IV
a poesia as vezes me vem da fala
outras de vozes absurdas
na travessia cantei pontos de Jongo
Folias de Reis Festas Juninas
Folguedos de São João
despachos de Macumba
para me defender do capataz
pulei fogueira em brasa
comi o milho assado
nos tempos do nunca mais
nunca vivi porto seguro
na minha praia não tem cais
escrevo como falo aprendi com os ancestrais
V
com uma câmera nas mãos
um poema na cabeça
vamos filmar o poema
antes que desapareça
A mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema
entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela
fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda
não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de
fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em entre linhas salta das metáforas por entre portas e janelas
no poema o que ficou?
para
Cesar
Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros
azulejando nos azuis
no poema ficou o corte mais aberto
o sangue mais secreto
tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega
a faca desdentada
a fome afiada onde era mel agora é
pus
no poema ficou o obsceno não sagrado
o beijo ensanguentado
o abstrato do concreto
no poema ficou um objeto
um soneto esfacelado
um hiato no decreto
no poema ficou mais um retalho
mais um trapo do espantalho
nesse circo abjeto
no poema ficou o sangue amargo
numa noite quase nada
num curral analfabeto
no poema ficou a escuridão
nuvens de cinzas
onde antes era luz
no poema eu fiquei de pé quebrado
no velório esquartejado
nessa terra de tanta cruz
Dédalus
para
Alberto Bresciani
e o seu
magnífico Hidroavião
O poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos
não está pra peixe este mar
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de nylon
degolam tartarugas
que morrem náufragas
na Av. atlântica
o poeta cata os cacos que restaram
desta pátria desossada
arde
em mim
um
rio
de
palavras
corpo
larvas erupção
mar
de fogo
vulcão
no romance do Poema
Mário Faustino traçou o seu
destino
FederikaLispector
havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo
Herbert Valente de Oliveira
Irreverência
ou Morte!
Gigi
Mocidade
escrevo
para não morrer antes da morte
Federico Baudelaire
o
poema é um lance de dados
mas
não fugirá ao acaso
Stéphane Mallarmé
linguagem
toda viagem
imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia. muitas vezes imagens me levam a viajar - como deve ser escrever para não enlouquecer ¿ muitas vezes algas que ela traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho.
poema
o poema pode ser um
beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró
o assassinato de Lorca o poema pode ser o que vai o que não fica Lupicínio na
Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o
poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte
ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o
bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso
o
Delírio é a Lira do Poeta
se o
Poeta não Delira
sua
Lira não Profeta
Artur Fulinaíma
ando tendo sonhos antropológicos que
mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos
poesia
à flor da
barra
amor à primeira vista
meu livro vermelho de sangue
Ouro Preto na contra capa
a musa morta no mangue
rosa vermelha no altar
desejo paixão fogo brasa
incêndio na minha casa
para nunca mais se apagar
poema 1
o que você faria
se soubesse que és musa
de dois poetas tortos ?
um visivelmente você sabe
o outro se oculta
por trás da lua nova
quando deita rede na varanda
com sua
luz de zinco prata
o que você faria
se hoje eu te dissesse
que o tempo tarda mas não finda
e que a lua só é nova
porque se preservou dentro da mata
curuminha
ainda ?
poema 2
esse poema mora dentro de ti
entre pele pelos músculos nervos ossos
quase pronto mas sempre inacabado
não importa o caminho ou se Cronos
o disperse em curvas de distâncias
ou que o carinho não baste
quando é sede e fome o que se tem no corpo
não sei por quantas vezes
nem sei por quantos anos
um pássaro leva para se abrigar no ninho
ou para fazer de um fio elétrico
o seu lugar de pouso
quando quase tudo no poema ainda está por vir
só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto
mas será sempre no teu colo que ele
um dia irá dormir
poema 3
o homem com a flor na boca
faz dos seus versos
poesia um tanto prosa
tem na pele o couro cru
e um parangolé
pendurado no pescoço
onde pensamos nervos
no seu corpo - ali é osso
tua língua atravessa
o pontal das coxas
quando o leito do seu rio
transborda um oceano
carrega espinhos na carne
como fossem pétalas de rosa
com os dentes rasga da musa
- todo pano - e ali mesmo goza
A folha de papel em branco sobrevoa a transparência diante do espelho onde me espreitam dois grandes olhos feito jabuticabas de um pomar que inda procuro a palavra escrita ainda não dita de um desejo impuro e a folha branca de papel pousa em tuas mãos como um pássaro não nascido ainda vindo do futuro.
carne
proibida 2
abusas no meu e-mail
no centro de gravidade
desse meu corpo elétrico
não me dissestes porque veio
acender a lâmpada
na metafísica dos poros
devoro teu corpo atlântico
com meu canino esquerdo
minha fome é quântica
como um barril de pólvora
com o pavio aceso
II
salsa alecrim alfavaca cebolinha
azeite limão hortelã vinagre
azeite com pimenta
quem resiste esse peixe temperado
que a poesia em mim inventra
vem lambe minha língua
que esse me(u)l sal te alimenta
eu
sou avesso atravesso a cidade
com
o que me interessa
as
vezes sou sossego outras vezes tenho pressa
não
procuro o que não quero
me
abstenho no que faço
me
abstrato quando posso
me
concreto em cada passo
o
compasso é argamassa
o
absinto quando traço
uma
linha nunca reta
da
palavra em descompasso
se
sou torto não importa
em
cada porta risco um ponto
pra
revelar os meus destroços
no
alfabeto do desterro
a
carnadura dos meus ossos
Terra em Transe
em 1990 estava eu em Registro em mais uma transa literária que tinha sido iniciada em
Jardinópolis depois de uma passagem por Batatais, onde Hygia Calmon Ferreira, a
musa do poema Sagaranagens Fulinaímicas, me apresentou algumas estudantes do curso de letras na UNESP, em São José do
Rio Preto.
Em Batatais, quando desci do palco do Teatro Municipal, dois
lábios vermelhos carnudos encarnados e dois olhos azuis vidrados vibravam em
minha direção, era Cláudia, que ganhou beijo na boca e alguns anos depois Copacabana
consumou nossos desejos.
Em Registro era uma noite de Sarau no restaurante onde jantávamos e eu ali absurdado com os poetas soprando palavras ao vento, foi quando Mariana de Piracicaba, vindo a mim feito ondas, me ofereceu saliva ardente numa pétala de rosa branca e espuma vermelha de batom - delírios em sua língua de Vênus.
Desde então queimando em mar de fogo me Registro
hoje
o maior desafio
permanecer Nu cio
ando em alpha
quase beta
meu destino ser poeta
poema 4
poema 5
para
Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco
quem sabe filho de Zeus
jantou comigo a Santa Ceia
na casa de Prometeus
nas madrugada de Bento
lambeu o vinho nos seios
das Bacantes no convento
por todos poros do corpo
por todos pelos e meios
depois grafitou nas vidraças
com dedos de diamantes
a Rosa de Hirochima num coração
estudante
depois de romper o dia por volta da seis e meia era um coração de
poeta
com poesia na veia
poema
10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora estão famintos
cravados na memória
poema 11
escorre - nus
teus seios
espuma que jorrei
em tua boca
ainda existe algo
entre as coxas
e as costas
algas - água
o sal da língua
que lambeu a tua ostra
poema 12
tem algo de errado
nessas estatísticas de mortes
dessa pandemia
multipliquem 60.000 X
10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que dá um nome ao país
que ainda nem era uma nação
poema
13
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina do catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
poema 14
profissão – poema do livro
Suor & Cio revisitado
meu ofício é de poeta pra rimar
poema e blusa e ficar na tua pele pelo tempo em que me usa pelos mares de
Ipanema nessa minha epifania disse pra flor do lácio vista-se de poesia rasgue
os tecidos da carne pegue a língua que lambuza lambe também minha língua na
linguagem - minha musa
poema 15
com os
dentes cravados na memória
I
por todos anos 80 ipanema 83 flora
recém nascida e eu chegando aos 40 gomes carneiro visconde de pirajá
bem próximo ao carinhoso bartolo com seu trompete depois que a noite dormia tocou
numa pérola negra e beijou o novo dia
no boteco de onde estava conselheiro lafaiete
refúgio da boemia me acordou da noite fria clara clarividência aflora sonoridade – melodia
logo depois era drummundo na praça
general osório pra enriquecer meu repertório na pedra da poesia
II
ipanema 84 filipe recém nascido por
esses tempos vividos na aldeia carioca com todo vapor barato na
tribo os sete sentidos nesses dentes da memória os 5 presentes no corpo outros
2 ganhos no tapa pelas ruas de ipanema até os botecos da lapa
poema 16
respiro-te enquanto escrevo
teu cheiro trazido pelo vento
vem da carne de manga
que mastiguei cinco minutos
tens o poder de me deixar em alfa
e me levar aos píncaros
nesse estado êxtase
quando estou em transe
quando alfa é beta
e o luar da tarde são teus olhos raios
quando os meus acerta
poema 17
fiz um trato com a ironia
o sarcasmo a
poesia
o bom humor a picardia
para enfrentar essa tragédia
tenho de sobra a alegria
e o que não falta em mim é cobra
visceral
antropofagia
tenho de sobra em minha obra
profanação sagrada orgia
poema 18
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor de cactos
como se fossem flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor de lótus
sagrada flor dos meus delírios
poema 19
a língua hoje passeia
pelos martírios de florbela
em tudo que ela não disse
ou mesmo exposto não revela
pelas janelas do corpo
por todas dores prazeres
no que ficou por dizeres
no silêncio quando cala
por tudo que ainda não cabe
na sensualidade da fala
dor de
cabeça
para Walter Franco - in memória
hoje me peguei
com uma puta dor de cabeça?
o que é que eu tenho
nessa cabeça?
perguntei ao seu doutor
essa dor de cabeça
é minha ou é na cabeça
do senhor?
essa fumaça densa espessa
nessa manhã de fevereiro
quando no Rio de Janeiro
se assanha o carnaval
será Brasília o vendaval
o desespero, esse fascismo brasileiro
com cara de neonazismo
ou fanatismo Imperial?
tantos pratos
e talheres sobre a mesa
onde tudo cabe
desde que não seja lama
desde que não seja Vale
holocausto
quem se alimenta
dessa dor
desse horror
desse holocausto
desse país em ruínas
da exploração dessas minas
defloração desse cabaço
quem avaliza o des(governo
simboliza esse fracasso?
metafórica
dialética
nas fardas
da realeza
nessa tragédia social
os 270 mortos
em Brumadinho
mostram que
nesse hospício
há muita lama
no meio do caminho
fake book
as Cristinas Isadoras Micaelas
e dos
meus canaviais
essa rede assim fascista
crise
fazer o que não deve
poética 56
poética 57
desse
brasil escroto
não
se assuste
ando
tão tenso
nesse tempo
estático
que não consigo
escrever tudo que penso
diagnóstico urológico
segundo o urologista
o sangue na urina
transbordou da próstata
sem passar pela bexiga
direto na ureta
e se não fosse tanta dor
juro quem sabe um dia
eu seria um bom poeta
FULINAIMAGEM
mais breve que
ponteiros de relógios
o amor roeu os ossos
comeu a cartilagem
da
linguagem dos negócios
minha vida de cachorro
não está pra peixe inteligente
tenho chorado
as mortes que não tive
o morto que ainda vive
tem gente que aterroriza
minha pobre paciência
tamanha a indecência
dos seus discursos de bestas
da sua língua
de bosta
Da série FAP
(Festival Amargas Palavras)
minha língua faca
corta cana brava
pra vingar meus ancestrais
se
não é álcool
nem açúcar
o que é que essa usina faz?
FULINAIMAGEM
3
Overdose Nu Vermelho revisitada*
na
linguagem dos 80
o
corpo não precisava
de
puteiro prostíbulo bordel
faltasse
carne
pra
roçar os óvulos
a língua jorrava tinta
no papel
*Overdose Nu Vermelho – poema do livro Couro Cru
& Carne Viva - 1987
FULINAIMAGEM
4
muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras
vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai
rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse
templo escuro
FULINAIMAGEM 5
nessa
linguagem de palavras ostras
marisco
em minha língua
espuma
escorre
entre tuas coxas
o mel da palavra
pluma
gosma dessa baba enguia
feito
fogo queima o sal
dessa água impune fosse
espada peixe
flecha
ao sol no meio dia
FULINAIMAGEM 6
minha
língua baudelérica
faca
de dois gumes na métrica
morde o outro gumes na delírica
a minha língua só fonética
mallarmaica
brazilírica.
minha
língua pós andrátrica
drummundana
cibernética
afrodite na genética
mata o verme da quadrilha
bomba de nêutron energética
assassígna de brazilha
FULINAIMAGEM 7
língua
nova não tem dono pode estar em qualquer boca na minha na tua na dele na dela morde portas e janelas como se algum dente
fosse língua nova está na casa na areia na argila nesse barro chão batido nas
paredes de tijolos nos telhados de algum palácio assombradado ou mesmo fosso língua nova está no corpo está na carne
está no sangue está nos ossos língua
nova é quando posso catar um caranguejo pra escavar um novo poço
FULINAIMAGEM 8
a
língua cospe da boca essa saliva sangue escarro
do beijo que me foi roubado de outras
bocas bêbadas desses dias inglórios descem cascatas de trovões anunciam tempestades o sal amargo de algum ventre
exposto as sevícias da barbárie nas ruínas dos castelos entulhos dos palácios
esqueletos carcomidos por longos séculos de ócio
FULINAIMAGEM 9
rasgo
o véu na membrana em tua íris espinho minha língua cavalo no galope nesse pasto
de quimeras era foice faca e vieste de
outra Hera fosse febre fértil fumo nas artérias fosse sangue venenoso em
minhas veias óxidas rios de carbono e chumbo lama mineral nos restos dos
impérios que um rei tirano trouxe
FULINAIMAGEM
10
a
voragem da linguagem me deixou vertigem nas costas da janela estela foi
despindo as coxas me beijando os músculos com os seus dedos de moça nas entre
linhas do meu terno pra que a língua ardesse como pimenta azeite no fausto fogo desse inferno
BraziLírica
Pereira: Revisitada
Leminki
Ando
só olho ana à vera
faça outono ou primavera
quantas eras quantas anas
em carnaval meu olho disse:
ana à vera vera ana
ana clara claralisse
vejo ana lendo eunice
quando li eu vi luana
e ana ali só vi liana
ana verso analice
macabea vozifera
lady gumes a diretora geral do presídio federal de
brazilírica, impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir
libertinagens, traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando
sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricórnio tropical.
macabea, a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras, corrompeu
guardas, comprou juízes, cooptou alunos, advogados de deus e do diabo, para que
o vôo libertino das metáforas fosse exterminado.
"não estou aqui para que pintores sem a mínima
competência pictórica tentem lambuzar com qualquer tinta da porra a minha
estrela que não sobe". voziferou Macabea.
lady gumes, decidida, prosseguiu afinando a faca nos dois legumes,
e no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam
as portas do corredores do presídio central. assim feito, as metáforas sobrevoaram com um
zepelin rasante, levando nas asas o seu maiúsculo músculo aninal, e as metáforas se abriram flor
de lótus em bandeiras brazilíricas tropicalhas como as filhas do chico da
mangueira.
murilínDia
o poeta experimental passeia sua cueca monossilábica por cima
dos pianos na madrugada devorando amoras. macabea invoca nossa senhora das
derrotas para enfrentar o desvario. o poeta está nu cio. macabea corre o poeta
flama inverso macabea chora. experimental barroco o poeta sobrevoa palácios e
urubus. macabea tenta mas não consegue
ser pagu. o poeta é phoda. macabea pede: o menino maluquinho faz que não
entende. macabea implora: e o poeta põe na metáfora do cu.
B
no
coração dos boatos
isso aqui não é a hora da estrela, minha mãe não é alice que
apesar de freira, de hábito só tinha o vício de me prender pro entre o
crucifixo colocado em suas pernas. macabea
vivia falando sozinha pelos corredores federais da outra inquisição. conseguia
vez em quando reunir alguns habitantes mal informados sobre a insurreição das
artes aromáticas e passava o tempo querendo mostrar seus dotes na culinária nua e crua. seviciada
pelos estivadores daquele cais do porto tentou arrancar o sexo com as unhas e
enlouqueceu uivando como loba amarrada à santa cruz com jesus da goiabeira.
FULINAIMAGEM 11
pessoas que me comovem são
aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados cuspindo seus
relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. sou fanático sim por
blues samba e reggae. faço as minhas escolhas independente do meu coração partido
e sigo vivo com Os Dentes Cravados na Memória para nunca jamais esquecê-las
como a carne que comia - pessoas que me
comovem rasgam o peito e deixam sangrar
porno grafia
poética 100
diária missão
de cada um de nós
FULINAIMAGEM
12
quando zeus
me apresentou o raio
umbanda venceu demanda
conheci um cão azul
que me guarda
na varanda
tragicomédia
brasileira I
a boca salta pela língua
vísceras de peixes nos varais
meu corpo parede sem reboco
anjo barroco em trapos ancestrais
a casa de cimento pai à pique
roubaram da criança
o piquenique
puseram no palanque
o satanás
no país que já foi meu
hoje não mais
FULINAIMAGEM
13
escrevo como quem cata estrelas do mar na areia da praia como
quem come o rabo da arraia montado no cavalo marinho lambendo escamas de sereia
com os dentes cravados na memória e as unhas entranhadas em tua veia
o cão azul
para Rodrigo Sousa Leão
in memória
ele cantava
como um pássaro engaiolado
as 4 da madrugada
no seu apartamento
e me
perguntou
se eu tinha gostado
da garganta da serpente
e se
era também azul
o cachorro que estava ao meu lado
invisível para mim
naquele momento
nas fímbrias da memória
mulher de nuvens
ou as artimanhas inconsciente dos desejos
vasto brasil esse nordeste centro oeste norte sul se der na telha vou pra leste fosse eu mulher ou vento sul jamais eu manso em calmarias me romperia em tempestades pânico espanto poesia cacomanga só saudade que mulher de nuvens seria a mulher que me invade ou a que me prende em sertanias?
quero saber das incertezas das marés altas baixas quentes frias e mergulhar nas correntezas mesmo que me afogue mais um dia em ilhas belas portuguesas na mais terrível ventania nas ferraduras de búzios ou algum mar algaravias onde mulher das nuvens me leva ao altar das carnavias em noites de sonhos quando eu era Dionísio na babel das sacristias lambia a hóstia nas coxas a ostra que padre benzia primeiro delírio concreto em estado de poesia
ancestral
há muito tempo não recebo cartas de ninguém mas não rezo padre
nossos simplesmente para dizer amém já fui católico rezei terços ladainhas acompanhei
a procissão dos afogados na tapera para soletrar a palavra ca co man ga e
entender que o barro da cerâmica trago grudado na retina - meu batismo de fogo
foi numa santa cecília entre víboras e serpentes mordi a hóstia do padre - sua saia preta - me levou a pânicos e pesadelos - de sonhar
com juízes que hoje posso saber o que
são - minha África são os olhos negros de
Madame Satã - na língua tenho uma sede felina na carne essa
fome ancestral pagã – de ser um homem comum filho de Ogum com Iansã
cato caco de vidro nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis dos alumínios lâminas de fogo azulejos nesse olho d'água algas e pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos
engatilhem seu torpor maligno - cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o
sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas - são tantas horas perdidas outras
desencontradas na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas
espumas nos espermas que não fizeram filhos nas
pernas nas coxas no litoral dos ânus
- essas horas que se perderam em ondas elétricas que se ejaculou nos ventos nas marés do zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
com os
dentes
cravados
na memória
em são sebastião do sacramento suas coxas em movimentos me lembravam peixes sagrados nos mares que minas não tem - mãos
por teus montes claros provocavam marés
- atropelos -passeios de língua entre pelos também em outras partes lábios de
mel sal abissal um peixe espada - prometeus -
desejos despindo teus seios teus dentes cravados nos meus e a lua por
sobre a capela a luz em tua alma - donzela -
afrodite - uma caça indefesa - presa - em minhas unhas de
zeus
FULINAIMAGEM
17
essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me
provoca esse estado de não sei quantas adrenalinas
essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão
de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes
dos trinta e eu pensando no meu filho – o paiol de milho na cacomanga que
toquei fogo aos 7 e meu pai num silêncio profundo me colocou na garupa em seu cavalo e cavalgou pela
fazenda eu com medo da bronca ele em tom de ironia e um tanto que de profeta disse-me em seu silêncio como sempre me dizia -
meu filho vai ser poeta – estava escrita a profecia
ainda que eu fosse
ainda que eu fosse peixe
ainda que fosse pedra
maré de maio não medra
maré de junho não fedra
a senhora das tempestades
vestiu meu vestido de chuva
vestiu minha blusa de vinho
nas festas das horas marcadas
a senhora das trovoadas
despiu minha roupa de sexta
despiu minhas roupas de quarta
deixou-me com saldo das festas
com
gosto de encruzilhadas
Rúbia Querubim
delirante
no mirante
do Leblon
estava aqui pensando exatamente agora a fantasia
que vou usar no carnaval - pensei em sair nu pela avenida atlântica e subir o
corcovado dar um abraço no cristo redentor encontrar um
amor vadio em são conrado encarar de frente a barra da tijuca na certa vão me
chamar filho da puta viado descarado - mas não estou nem aí pra preconceito encontro
Marisa Vieira - Mym Mesma - no meio desse caminho e sei que no carnaval nunca vou estar sozinho
EuGênio Mallarmè
a mulher dos
sonhos
será que Freud explica?
ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço não estava - a governanta me falou que estava em búzios - não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser sempre escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos nos búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei do outro lado da praia ela gritou meu nome – perguntei quem era – ela me disse o sobrenome – não decifrei o sonho – mas perguntei se freud explica – ela me deu um beijo na boca.
mallarmè me
deu o toque
para Filipe Barbosa Buchaul Gomes
quem conhece o lance de dados
não joga com dado lance
nem armadura por bodoque
quem sabe que vida é fedra
escridura
o beijo quando for que seja
de língua lambendo a carne quente
poema 6
lixa na tessitura
desc0ncerto desconforto
pedra na rapadura
cato cacos de azuis
nos alumínios
em cada mínimo
que vejo
azulejo
estação
353
um girassol se escondeu
por trás do portão de entrada
entre suas pétalas
cantava minha amada
pegando seu barco no cais
um blues
rascante rasgado
desses que não se houve mais
um poema mallarmaico
satírico freudelírico aramaico
onde voz nenhuma me alcance
um lance de dedos nos dados
uns dados de dedos no lance
onde vais cinzia farina
toda vestida de letras
como quem grafita na areia
esse seu espelho d´água
à beira mar na lua cheia ¿
nonada
nonada no meu prato
na hora do meu almoço
nonada no meu prato
na hora do meu jantar
nesse país a fome é tanta
que comeram meu calcanhar
no lance de tantos dedos
no jogo de tantos dados
meus 5 sentidos mordem
sem decifrar significados
se continuarmos
a dar queijo para os ratos
eles continuarão
a roer nossos sapatos
grafitemas
e figuralidades
estou escrevendo um mini conto um grafitema umas figuralidades
não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não
era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão
pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua
cheia vinha vestida de letras como o som
da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro
da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e
ela me perguntou quem eu era
a transa
as tralhas os truques
cai o pano
nenhuma surpresa
pratos vazios sobre a mesa
nessa pedra me abstenho
nessa
pedra me abstrato
não
concreto o que não tenho
nem des(calço) o teu sapato
o cateto na hipotenusa
a hipotenusa no cateto
o som dessa flauta me
parece
sinfonia do Hermeto
essa minha obsessão
por beleza na ternura
abstrata no concreto
vem da plasticidade
de uma nova arquitetura
esse bandido
levou-me os fios de cabelo
roubou todos meus sonhos
Poema 8
o dia
que não te vi
foi baudelérico
a
noite que não beijei sagaranagem
quando vi e não me viu não entendi
porque o amor não foi selvagem
quando
beijei e não sentiu
só mallarmélico
para
escrever o que ainda
está por vir quando delírico
amoras :
ame-as ou devoras
Isadora ou me decifra ou juro
que vou embora
aqui nem só jabuticabas florescem nesses meus enredos a terra
ancestral do meu sangue amoras roçam as palhas da cana caiana doce
carne das frutas a flora na flor dos
mangues em mim são cajás e são mangas como a carne
do corpo laranjas bananas siriguelas o agridoce das pitangas como quem chupa e goza a multicor das aquarelas
última ceia
do peixe vamos comer
somente espinha
na rapadura com farinha
auto
biográfico
a minha relação poesia.teatro.poesia é visceral vital para o
que escrevo como quem encena a
necessidade do corpo como expressão não planejada nem pensado o que se sente quando jorra palavras no deserto branco do papel - o corpo
dada lance de dados jogos e lances na ponta dos dedos o dado rola quando o
estômago ronca e as tripas falam quando as vísceras sonham transborda sangue
esperma no mar das belas coxas quando
ela tinha 17 e eu já 39 no auto do boi pintadinho por avenidas e campos cidade
dos precipícios onde uma musa estudante
quase me leva pro hospício
vertigem 12
o
barro do valão que ospés pisaram impregnou o sangue transpirou
nos poros o limo embaixo das
unhas lembra-me o lugar de onde vim aquele sertão alado como uma ilha de creta montando
alazão enluarado pre-destinado a ser poeta não tracei a linha reta já nasci um
anjo torto nada em mim se concreta no meu sonho – desconforto -
tudo
em mim é impossível até mesmo imprevisível muito mais que inalcançável não
gosto de automóvel muito menos televisão cresci dentro do mato conheci olho de
cobra tigre felinni felino moleque malandro gato com dentes afiados de cão
cada um com seus desejos
e o amor em desalinho
eu tinha fome de beijos
ela tinha sede de vinhos
pandeprosa
para Divanize
Carbonieri
poesia
poderosa
muitas vezes
pandeprosa
muitas vozes
vozes muitas
muitas outras
línguas claras
mesmo em noites
obscuras
o abstrato se depura
em raras vozes
vozes raras
ave palavra
criaturas
poesia
é coisa cara
roteiro para um poema épico
estou liquidi-ficando com a fome dos desejos que se foram
antes
itinerário
esse poema contém vírus desejos pecados rasgados com Stella em
São Conrado subindo ao Cristo Redentor do morro do Corcovado a pedra do
Arpoador
poesia pecados da carne sem limites
feito lâmina a luz do sol
penetra em minha carne água sol sal céu mar limão alho mel de cana
azeite suor pimenta atum sardinha gema no poema inventa cama em chamas acredite
receita infalível para o sexo dinamites
nesse mar de espuma voa leve pluma nos teus olhos d´água travesso desde menino pelo destino em ser felino por travessura e desatino nas entre linhas das minhas vinhas uvas passas ao rum línguas de vinho
Po Ema
se penso resisto mesmo tenso insisto atravesso o tempo como
quem partia nesse azul de sal num mar de algaravias como quem se esquece numa
quinta feira grafitando ideias com um
giz de cera em um mar de algas em tua pele pera na corte dos fellinis o mais felino quebra as regras da estética desde
menino zomba da rima rica na poética por ironia do destino
a solidão berra entre céu e
terra
pala(r)vras de fogo em cartas incendiárias queimaram horas e
dias nem sei mais o que pensam as 7 medusas do monstro encontradas no manguezal
tupi or not tupi
Itapetininga pedra de sal no mar de Pirapitanga tem gente que de repente deixou de ser ou já não era¿ quem disse que amor é santo¿ nem tudo que poderia te dizer escrevo nem sei mais quem habita as costas do teu litoral e quantas algas já contei nas asas do temporal imagens em chamas vieram nas entre linhas rasgando as entre minhas esporas palavras dela
quem disse que desejo
não cabe no poema?
meu objeto do desejo tem nos olhos cor de algas e algum peixe que se foi sem teatro a alma não respira perde-se a vida Serafim Ponte Grande ainda me aponta uma ponte algumas trilhas tenho uma amiga que ainda não sabe quanto é musa - nas Juras Secretas para ela muito já foi escrito e muito mais ainda tenho a escrever até rasgar as entranhas nas armadilhas do ser estou desde dezembro sem poder fazer o que gosto e isso me deixa em desgosto a vida sem tira-gosto vida de gado: depois da engorda o matadouro céus de fogo já rompendo as madrugadas em noites claras do sertão por serTão iluminadas trago essas noites dentro das cercas e arame farpados os currais dos campos cerrados meu mato grosso de sangue vermelho fincou na cancela imagem do corpo estirado depois do tiro no peito na fazenda encharcada abandonada trago essas noite no tempo da cacomanga assustado um menino que aos 7 anos viu a morte de perto por dentro de uma garrucha do seu tio ali suicidado
hoje nem sei se escrevo
poema em linha reta
ou se embarco direto
para ilha curva de Creta
dada
ista dada
ista era uma menina que me queria quântico metafísico se o amor não fosse em carne até mesmo osso com o estigma da crueldade presente em cada ato quando a pimenta do reino ardesse em vossa língua ou queimasse à flor da pele o céu da boca e a carne nua e crua exposta ao sol ao vento fosse apenas um feixe de lenha a ser levado por qualquer lenhador que ousasse invadir seu mato dentro
ista me queria dentro de um versículo bíblico mastigando a pedra até o pó a memória é uma língua suja que lambe a carne das palavras morde com seus dentes até sangrar melado dos canaviais dessa lavoura arcaica que hoje cultivo em meu quintal tem dias que a ossatura no corpo não é mais que uma carcaça segurando a capsula da pele aqui de fora esse corpo que carrega 288 estações primaveras verões outonos invernos à beira de um abismo sem luz no fim do túnel pra clarear meu modernismo
nonada
:
o
homem com a flor na boca
vida toda linguagem
língua o trem da viagem
pinda o nome
na terceira margem do rio orucun
o mato grosso
me acertava
com algo
que ainda não conhecia
flecha de fogo certeira
Divanize me alertava
e o coração estremecia
os dias selvagens te ensinam
Aricy de minas
refletia
o amor no cerrado sangrava
como um beijo no asfalto
na boca de quem comia
o barco deslizava nas águas do paraguai
em direção ao futuro que não vinha
o homem com a flor na boca
atravessou o pantanal
com o seu poema pássaro
ave palavra profana
cabala que voz fazia
moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como beijo no teu corpo agora
de suas janelas ela me olhava
como alguém que ainda não me percebia
o barco seguia seu fluxo
o sangue na veia era o que mais me ardia
ela só tinha nos olhos
animais aquáticos
os pássaros vez em quando
pousavam em suas janelas
minha língua lendo Ivo
me revelava o tempo e a ostra
campos era uma cidade
noblesse uma livraria
nas veias da mocidade
arte era o que existia
a bruxa dos cacos de cogumelos azuis
me confessou rasgando um blues
com os gumes da carnavalha
e as lâminas de um canivete
prometeu esquartejar os vermes
na próxima sexta vinte e sete
na noite consagrada ao desfile
toda cidade enfeitada
para um
novo ritual
amanheceu a flor do pântano
e era domingo de carnaval
colorau o nome do vermelho
com que batizei o festival
no nine nem
língua toda viagem
linguagem que me convém
em meu estado de surto
Sartre de
poesia
mama áfrica
a minha mãe já me dizia
ferramenta de barbeiro é carnavalha
a do poeta deve ser filosofia
retorno da viagem o hiato (entre parênteses) porto
viejo canavarro onde o barro da carne era mais quente carnaval com fogos de
artifícios um ritual em algum navio alguma nave o pantanal o mato grosso uma
viagem a travessia
cada escola de samba que passava era um grito de nostalgia o pelo na pele arrepiava oswaldívia me visitava e quem disse que me alivia o corpo em transe delira e o povo de lá sucupira entre o pantanal de Corumbá e a fronteira na Bolívia meu corpo todo à deriva no mato grosso do sul no barco só tripulantes com seus turbantes azuis lábios vermelhos das tintas extraídas dos urucuns onde índios mascam contentes as suas folhas de coca e celebram seu presidente
Evo Morales nativo no fogo daquela gente num ritual transitivo me leva a muitas cervejas do outra lado a fronteira de santa cruz de lá sierra a barra do sol cana brava usina de sal minha terra onde Stella me esnobava mas bom cabrito não berra atravessei a fronteira fui dançar com Gabriela uma índia boliviana que me agarrou pelas costelas e me amarrou num trava língua como os meus tempos na tapera
não é fácil
uma linguagem fácil
complexa ou metafórica
no ritmo de uma roda gigante
que a tua língua não controla
sensualidade
água
escorrendo
sobre
a
pele
da
saudade
incorporação
para Igor Fagundes
esse poema bárbaro
com um fonema brazilírico
vai fazer meu aramaico
ir dançar no seu delírico
palavras que incorporo
dança vento movimento
folhas verdes no algodão
fulinaímico dançarino
moleque um tanto menino
no frevo xaxado xote
na zabumba do baião
nos atabaques da macumba
te incorporei cantando rumba
em bandas de rock and roll
pelos terreiros da lapa
nas noites por onde vou
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados
os desnutridosos que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço
nem mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou
pra curuminha
empresto meu corpo minha voz a
esses personagens os que tem sede os que
tem fome ou os que morrem assassinados nos
guetos nos campos nas cidades por balas de fuzil está fudido esse brasil entregue as traças e só me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do
causador dessa desgraça
Goytacá
Boy 2
araraquara guaxindiba itaocara grumari
o que liga essas palavras ao
eu vocabulário
a carne índia o sangue a cachaça paraty
grussaí guarapary baia da guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba
piracicaba pirapora piraí paranapiacaba
vim da tapera carioca do roçado do aipim
cacomanga minha toca
meu coração ururaí
tupinambá goytacá tupiniquim
quanta selva quanta
mata desmatada
desde o dia que o português pisou aqui
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima
que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucun de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi
em sua boca caiçara
gargaú guriri itapevi abapuru
minha musa antropofágica tem o nome de
pagu
tarcila anita d´alkmim itaim
guarujá piratininga itapetinga itaquera
quantas palavras ensanguentadas nas
taperas
santeiro do mangue minha pátria meu
tesouro
100 anos se passaram como vento
e são paulo transformou-se
numa selva de concreto uma cidade de cimento
Federika Bezerra : A Porta Bandeira
Que BorTou Olivácio Doido
Em mil novecentos e vinte e cinco
na noite de orgias satanazes
um raio de trovão incandescente
rachou a igreja em Goytacazes
um vulto do despacho então desceu
movido por farol de grande luz
tocou na pedra quebrou cruz
a Rainha do Fogo dessa gente
Federika de ouro azul e prata
na porta da igreja foi parida
criada pelo Padre Olivácio
que logo depois lançou na vida
aos cindo de idade encantada
foi pega masturbando em sacristia
por causa de um sonho com o príncipe
DuBoi da mais sagrada putaria
Expulsa da cidade foi pra longe
cresceu entre os jardins de JardiNÓpolis
mas se você pergunta Freud Explica:
- o seu palácio agora é em Petrópolis
Aos dezenove plena de alegria
conheceu Gigi da Bateria
na porta do Beco de Satã
na festa federal do Bar da Lama
a Deusa dos Lençóis de toda cama
sorrindo para ver como é que fica
dá um corte na história inverte o drama
e transforma Ouro Preto em Vila Rica
e assim vamos cantar em verso e prosa
a saga dessa Deusa Iansã
que em busca da mordida na maçã
sonhava encontrar Guimarães Rosa
Viemos do SerTão para os seus braços
porque a Mocidade Independente
é a mais fina e pura Flor do Lácio
afilhada do secular Padre Miguel
e fiel ao seu pai Padre Olivácio
e para completar a grande roda
trazemos o cacique Pau BraZil
o centenário Oswald de Andrade
filho da paulicéia que pariu!
Passando pelas bandas do Catete
dançando na maior intensidade
macumba com o índio brasileiro
nossa Ex-Cola campeã da liberdade
Federika engravidou o grafiteiro
do famoso cacete Samaral
que escrevia pelos muros da cidade:
Mocidade já ganhou o Carnaval!
e assim vamos cantar na grande roda
tudo o que deu e o que não deu
o dia que um pastor bem collorido
pensou ser pai de santo e se fudeu!
Artur Gomes
poeta.ator.produtor cultural vídeo maker
Curador do 1º Festival Cine Vídeo de Poesia Falada
Integrou a Mostra De vídeopoemas dentro do Projeto
Arte de Toda Gente realizado pela FUNARTE-Rio com curadoria de Tchello d´Barros
livros publicados:
Um Instante No meu Cérebro – 1973
Org. Olga Savary
Prêmio Oswald de Andrade – UBE_Rio- 2020
Mostra Visual de Poesia Brasileira – realizado de 1983 a 1994 em diversas cidades brasileiras.
Fulinaíma MultiProjetos
(22)9815-1268 - whatsapp
www.fulinaimagens.blogspot.com
POÉTICAS
EntreVistas
Studio Fulinaíma Produção Audiovisual
https://www.facebook.com/studiofulinaima
PoÉticas ArturiAnas
www.fulinaimatupiniquim.blogspot.com
O Homem Com A Flor Na Boca
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