terça-feira, 23 de abril de 2024

jura secreta 72 - Artur Gomes

Jura Secreta 72.

 

clarice dorme

 em minha mãos
a carne trêmula

 depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu

quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu

 

Artur Gomes 
do livro Juras Secretas 
Editora Penalux - 2018 

https://arturgomesgumes.blogspot.com/


múltiplas poéticas

 


com os dentes
cravados na memória
soletro te nome
:
C a b o F r i o 
barco bêbado

naufragado
fora do teu cais
caminho marítimo
por onde talvez 
já passou meu pai

para Torquato Neto

 

aqui estou na brasileia tropicalha

em populácea militância

pornofágica

desbundando a marginalha

em poesia su-real

para esquecer que a circunstância

é um pouco trágica

e não dizer

que o meu brasil dançou geral


trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

                      e os teus

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

   mastigando a nossa morte

mas eles é quem morrerão

meu amor: num grande susto

         quando nus virem

amando nessa cama

de ferro e de pau duro


1º de abril de abril

 

       telefonaram-me

             avisando-me

        que vinhas

 

na noite

uma estrela

ainda brigava

com a escuridão

 

         na rua

         sob patas

         tombavam

         homens indefesos

 

esperei-te

20 anos

e até hoje

não vieste

à minha porta

 

- foi um puta golpe!


com  os  dentes  cravados  na memória

 

Aos 20 Freud estava apenas de passagem, difícil era entender a insustentável leveza do ser onde tudo que é sólido se dissolve no ar. A barra era pesada, os sonhos exterminados a ferro e fogo, porões, exílio, trincheiras, barricadas, palavras eram caladas a golpes de espadas. Desse tempo ficaram marcas, cicatrizes fundas. aos 30 vieram filhos, e a compreensão da função biológica do sexo. aos 40 o que era submerso aflorou na superfície, foi brotando do inconsciente o que estava lá adormecido desfolhei nos livros Suor & Cio e Couro Cru & Carne Viva. aos 50 e 60 Freud se tornou companheiro de jornadas para exorcizar  os fantasma nos laboratórios de teatro. hoje  sonho imaginário fantasia são partes da mesma realidade, complementos inseparáveis da mutação do pós-juízo onde amo uma mulher de 26 e ela entra pela minha porta como uma outra nunca fez.


 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

leia mais no blog

https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/


Poema da inesquecível mulher

 

Eu, vero, me bati na tua porta:

mal caibo em mim, sem ti

no que importa

Sou trava de uma casa redigida

no vão da tua mão subtraída

 

Romério Rômulo


Com o tempo entendi que não importa onde estamos, a cultura e arte vão estar presentes tanto quanto o ar que respiramos e não temos como fugir dela e o melhor é sentar, pegar uma pipoca e assistir um filme e se deixar tocar por ele; ler um livro e refletir sobre o que se leu; parar um tempo e se deixar apaixonar pela paixão do poeta; se deixar apaixonar pela pintura do artista-plástico ou pela obra do escultor... Não podemos controlar o que sentimos, mas podemos refletir sobre como somos tocados pela arte, seja ela qual for.

 

Isadora Chiminazzo Predebon

https://www.facebook.com/psicologa.isadoracp/


Com Os Dentes Cravados Na Memória

 

Relatório

 

I

 

na sala ficaram cacos de pratos

espalhados pelo chão. pedaços do corpo retidos

entre o corredor, após o interrogatório.

um cheiro forte de pólvora e mijo

misturados a dois ou três dias sem banho

depois de feito sexo.

só o fogo da verdade exalando odor e raiva

quando em verde, conspiravam contra nós.

 

em são cristóvão o gasômetro vomitava

um gás venoso nos pulmões já cancerados

nos quartéis da cavalaria.

 

II

 

me lembro.

o sentimento  era náuseas, nojo, asco,

quando as botas do carrasco

bateram nos meus ombros com os cascos.

 

jamais me esquecerei o nome do bandido

escondido atrás dos tanques

e

se chamavam:

                          Dragões da Independência

e a gente ali na inocência.

comendo estrumes. engolindo em seco

as feridas provocadas por esporas.

aguentando o coice, o cuspe,

e

a própria ira

                        dos animais de fardas

batendo patas sobre nós.

 

III

 

com a carne em postas sobre a mesa,

o couro cru, o coração em desespero,

o sangue fluindo pelos poros, pelos pelos.

 

eu faço aqui

meditações sobre o presente

re cri ando

                   meu futuro.

tendo o corpo em cada porta

e a cara em cada furo.

 

tentando só/erguer

as condições pra ser humano

visto que tornou-se urbano

e re-par-tiu

                     se

em mil pedaços

visto que do sobre-humano

restou cabeça, pés, e braços.

 

Artur Gomes

Couro Cru & Carne Viva – 1987


como não amanhecer feliz.

quando ao acordar damos de olhos com um recado desses

em nossa caixa de mensagens, vindo da minha querida/amada

amiga Angélica Rossi lá de Bento Gonçalves,

 cidade onde escrevi a maioria das Juras Secretas.

 

“É muito mas muito cheia de tudo de bom tua obra
Adorei - Até já mandei uns trechos pra uns amigos
Muito legal mesmo. Nunca deixe que as críticas apaguem a sua essência..

A noite Te mando
A minha jura preferida. Quem é a Clarice?
Fiquei curiosa pra ver como é seu rosto. E como Ela é.

Que legal... me chamou a atenção a tal Clarice. 
Porque não conseguia imaginá-la
Então é por isso...
Um pouco de muitas mulheres”

 

Jura Secreta 72.

 

Clarice dorme em minha mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu

quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu


 

cidade das pedras

Para Mauri Menegotto

 

uma cidade

onde o caminho de pedras

transborda poesia

entre o vale e os vinhedos

a primavera explode em flores

semente brota nos frutos

na arte de esculpir  pedras

o sentimento absoluto

de quem faz arte com as mãos

e toca a vida em frente

como se esmerilhar  as pedras

fosse tocar as pétalas

dos parreirais de outubro

onde tudo aflora

a poesia pulsa

e transforma em arte

a matéria em estado bruto

 

Artur Gomes 

                      O Poeta Enquanto Coisa

https://arturgomesgumes.blogspot.com/


segunda-feira, 22 de abril de 2024

caça a jato - Luis Turiba

CAÇA A JATO

Poema de amor em tempo de guerra

 

quando fecho os olhos

e abro a mente

verdadeira.....mente;

lá vem ela

em seu corpo de sereia

invadir meu apartamento

pelas areias do Saara

 

chega como um cortejo

um bloco de sujos

uma nação planejada e radical

passeata de ferozes fulminantes

celebrando aos gritos e cantos

à luz da Lua Cheia

que ainda nem nasceu

mas lá no alto do morro, gorjeia

vozes tímidas, luminares arranhadas

de cios ardores vontades-secretas

 

raios chegam ligeiros, num instante

como mera paisagem em brilhante

a perfilar-se como ave marinha

fora do ritmo de suas asas ululantes

entre forças terrestres e aéreas

fera em série fora das hélices

raios cortantes

doce força mansa à vera

desejando – (coisa mais linda) –

fêmea querendo sem querer-se,

ir-se, seguir-se, entregar-se

em gotas homeopáticas

no néctar do elixir do existir

e assim, jato de caça

na cabeceira da pista

do porta-aviões amado

de onde deriva de um nada

labaredas de fogo a pulsar

amores vis

no tremor das turbinas

ofertando-se toda menina

empina-se para o voo de combate

sabor de abacate

plena entrega de bandeja

as barbatanas do tubarão sem antenas

captam o que foi, o que não passou, o que seja

vai encarar?!

 

Luis Turiba

 Glória, RJ, 22.01.024

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domingo, 21 de abril de 2024

brasilianíssimas - Tchello d´Baros

 

BRASILÍADA MANIFESTADA: ODE À TERRA PAPAGALLI

Manifesto de 2022 | Tchello d’Barros 

Brasilianíssimas

Minha terra é brasilíada, brasidílica, brasilinda!

Aqui tudo que se planta dá e recebe, para além do pau-brasil, terra de flora melíflua, flores ebúrneas, pétala ebóreas, inflorescências arborescentes. Olores de eflúvios oníricos e semeadura de revolução que germina em conquistas do povo, da pólis, de todos.

Aqui a esperança está na brisa, em flagrante fragrância que poliniza, poesia que prolifera, alma que poliflora.

A força dos afluentes do Rio Amazonas tange o sangue debaixo da derme, o cume do Monte Roraima tange a tessitura de nossa pela: os cimos da Serra do Rio do Rastro plasmam nosso corpo que dança e luta: terra que evoca conquistas por liberdade, lutadas com braço forte e justiça social como norte. 

Entre Pasárgada e Ilha de Utopia

Uma criança desenha na areia da praia de Itamaracá a palavra amor.

As sombras das casas nos povoados e vilas de nosso Brasil profundo, crescem no poente, formando palavras como: recanto, idílio e paraíso. Óbidos, Blumenau e Olinda.

Trem, nem sempre tem, mas sempre tem quem te quer bem!

A descoberta desse Brasil é diária. A conquista, também.

É aqui que o Sol nascente encontra primeiro a América menos americana das Américas.

Aqui tem pau-brasil, pau brasino de brasido e brazedo: brasilivre de orlas paradisíacas, areias que guardam pegadas de tupinambás e matas que viram jornadas mundurukus.

Nossos rios são ruas de ontens e amanhãs: fluem no dia de hoje em nossa parcela planetária.

Terra de ritos: desde Cruzes redentoras, de Terreiros libertários e Torés transcendentes.

Essa terra tem dono sim senhor: aqui tem perímetros e pontos cardeais, mas as fronteiras são de abraços, brindes e sorrisos. 

Brasilíada, daqui e de lá: do Arroio do Chuí, no Sul, ao Monte Caburaí no Norte; da Nascente do Rio Moa, no Oeste, à Ponta do Seixas, no Nordeste. Aqui a bússola da liberdade se desenha no ir e vir da rosa dos ventos elíseos.

Territórios de florestas e floreiras, matas e clareiras, ilhas de praia, areia e onda: tem surf na pororoca e mergulho no Pantanal. Escalada no Monte Roraima e neve em Brunópolis. Desde navegações pelo Rio Madeira a jornadas pelos Caminhos do Peaberú.  

Gente que mudou seu lugar e povo que muda seu mundo

Somos de Pindorama. Somos de Abya Yala. Somos brasilianos.

Nossa esperança vibra à flor da pele e nossa pele é tanta, de tinta retinta, preta, parda, morena, indígena, branca, de todos os tons: nossa mistura tem matizes e matrizes misturadas.

Nossa genética plural, cromossômica e helicoidal, constroem em uníssono um vocábulo: equidade na alteridade e diversidade na democracia.

Na orla de Coruripe, o caiçara e o gringo singram na mesma jangada. Em Floripa, o nativo e o universal bebem juntos a cachacinha de alambique em cumbuca de argila. No Cerrado, o mestiço e o cosmopolita lançam a mesma rede no Lago Paranoá.

Nossa lei se chama Paz.

Nossa bandeira se chama Amor.

Nosso hino é alento e acalanto.

Nosso corpo tem cicatrizes mas nossa alma é de festa.

Aqui é tacape na opressão, borduna no autoritarismo e zarabatana no fascismo.

Em nosso território, fazemos contas miçangas: eu + tu = nós. Nós + eles = aldeia local-global. Aqui a soma é sempre: sempre cabe mais um. Nossa equação, mais que dividir o bolo-de-rolo, multiplica o vinho, o café e o tacacá.

A coragem, rebeldia e luta por liberdade desde Zumbi, Calabar, Tiaraju, Anita Garibaldi, Prestes, Mariguella e Niemayer ainda reverberam em todos nós, por todos nós!

Aos forasteiros imantados pela magia daqui, nosso grito primal: bem-vindos! 

Pluralidades da arte

Aqui, memória, tradição e folclore são arte vivaz na contemporaneidade.

No gesto espontâneo do poeta de Cordel, as entrelinhas de um tratado filosófico. No movimento circular da dançarina de Lundu, a lição do sentido da vida. No semblante do rosto do brincante de Boi Bumbá, a ideologia que contagia com magia.

A norma culta e a fala dita erudita, brindam abraçadas com os sotaques diversos e os falares populares dessa gente que tem o que dizer e sabe o que quer.

Toda filosofia estética cabe no olho que hoje sorriu ao avistar uma canoa no Rio Acre. Toda teoria poética cabe na voz do gaudério que entoa uma milonga na invernada. Toda ode antropológica cabe na dança do Xokleng que invoca seus ancestrais.

A arte visual pulsa em batimentos inefáveis: seja na ruptura disruptiva das cores de um cocar em Parintins, seja nas nuances frias de uma rede tecida manualmente em Fortaleza, ou ainda nas tonalidades quentes do bordado em um vestido da Oktoberfest.

Além da linda lenda: somos imersos em lendas regionais, contos curtos e causos tantos.

Yes, nós temos Carnaval. Aqui carnavalizamos a vida, invertemos os poderes instituídos e trocamos os papeis sociais. Sempre com ginga no pé, com ritmo na bateria e muita arte na fantasia. 

Um espinho e muitas pétalas

Nesse lugar em que o Atlântico nos encontra, em que os ventos andinos nos alcançam, somos a herança das revoluções da América do Sol, do céu mais azul. Somos entretecidos em revoluções que formam e transformam.

Seguimos antropofágicos-antropomágicos. Aqui, ainda devora-se Sardinha, ao digerirmos sabores da terra e deglutirmos saberes do mundo. Sim: ainda bebemos cauim. Degusta-se axé de fala, graspa, garapa e chimarrão.

Nossa fé mais profunda, oblitera as sanhas oligarcas, exalta o sonho dos ribeirinhos. Antigos impérios patriarcais, clãs opressores e dinastias totalitárias aqui deram lugar a solidariedades comunitárias, canções conjuntas e partilhas do pão entre iguais.

Aqui, na vida ainda há desideratos: há sonho que desenha-se nas redes do pescador, há desejo no rasto da canoa, há mistério no tapete de estrelinhas alvacentas que o luar tece sobre a foz do Velho Chico.

Aqui o capitalismo foi devorado e regurgitado como pacto social.

Fora fardas! Fora fardos! Fora feudos! Fora fraturas de futuros!

Adeus tropas, patrulhas e pelotões! Bem-vindos saraus, tertúlias e folguedos!

 

No lado certo da história

Em nosso brasão brasiliaco, cabem o verde-amarelo, tanto quanto o vermelhusco coruscante, rubro pau-brasil, encarnado Brasil. É também, o fim do arco-íris. 

Aqui a (r)evolução já aconteceu. E, contamina, penetra, expande, pois a senha de nossa cidadania chama-se: afetividade!

A elite não é eleita: a política poética à ética pacífica, da verve artística ao idílio utópico.

O vizinho nos fortalece pois nossa rua é uma pequena pátria. Quem nos visita, em lume sublime ilumina-se.

Nosso estar no mundo contagia, sutilmente poliniza outras pólis, outros povos, país adentro, Brasil afora.

 

Fulinaíma MultiProjetos

fulinaima@gmail.com

22 – 99815-1268 - whatsapp

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sábado, 20 de abril de 2024

Múltiplas Poéticas

 

Tchello d´Barros

*


aonde vai cinzia farina

toda vestida de letras

como quem grafita na areia

um espelho d´água

à beira mar na lua cheia?

 

Federico Baudelaire

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aqui nem coca

nem cola

nem bola 
não vivo de fantasia 

o que rola aqui é poesia

 

Pastor de Andrade 

o antropófago 

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Aqui nessa pedra

Alguém sentou

Para olhar o mar

 

O mar não parou pra ser olhado

Foi mar para tudo enquanto é lado

 

Paulo Leminski


se soubesse

 o endereço

viraria pássaro

criaria asas

e iria te visitar

em tua casa

 

Gigi Mocidade

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 ou tudo será posto de lado

e na procura da vida
a morte virá na frente
e abrirá caminhos.

É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.

Torquato Neto


Poética 55

 

aqui nesse Puerto Viejo

te beijo em tudo que vejo

teus olhos me vem como feixes

teus olhos fachos de luz

faróis – no desejo concreto

sinais – nesse deserto de gente

secreto em tudo que sinto

sinto muito – e também sente

 

EuGênio Mallarmè

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jura secreta 72 - Artur Gomes

Jura Secreta 72.   clarice dorme  em minha mãos a carne trêmula  depois do beijo na maçã que hoje comemos agora sonha tudo aquilo que Ba...