quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Artur Gomes - O Homem Com A Flor Na Boca

O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.

      Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão.

 É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”.  Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”. 

E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. 

É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” 

Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.

Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.

Leia mais no blog www.fulinaimagens.blogspot.com



O Homem Com A Flor Na Boca com o livro e a caneta nas mãos - Sarau Cultural - As Multiliguagens no Palácio - Ocupação Poética - Palácio da Cultura - Campos dos Goytacazes-RJ - foto : Antônio Filho

 

Lançamento em São Paulo dia 29 de novembro no Sarau Gente de Palavra - Local: Patuscada - Livraria Bar & Café - Rua Luis Murat, 40

 

absinto

impossível

te sentir mais do que já sinto

 

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

leia mais no blog

https://fulinaimagens.blogspot.com/




Artur Gomes

O Homem com A Flor Na Boca


Poética, política e memória

 Escrever prefácio para um livro de Artur Gomes é um desafio prazeroso. Desafiante é mergulhar no universo imagético e político que sempre compôs sua poética. Este O Homem Com A Flor Na Boca : Deus Não Joga Dados acrescenta o substrato memorialístico ao seu repertório formando a tríade que sustenta o livro temática e formalmente. Meu primeiro contato com a poesia de Artur se deu nos anos 80 por intermédio de seu livro Suor & Cio, obra cuja temática estava em consonância com as reflexões suscitadas pelas “comemorações” do centenário da Abolição da Escravatura em 1988. A partir daí, acompanhei suas criações tanto impressas quanto performáticas, pois Artur não é poeta apenas de livros e silêncios das salas de estares, livrarias e bibliotecas, mas também dos bares, ruas e praças que são do poeta como o céu é do condor.

 Poucos poetas contemporâneos expressam tão bem as principais bandeiras do Modernismo de 22 quanto esse vate pós-moderno. Sua poesia é política, antropofágica, nonsense, musical, polifônica e sobretudo intertextual, além de dotada de uma brasilidade corrosiva, avessa ao nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra de “Santa cruz”.

 Neste livro estão todas essas marcas do poeta às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele, Artur não apenas rememora antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e paródias como traz para seus versos passagens assumidamente biográficas, se apropriando, em alguns momentos, do gênero diário.

 Estão contidos nessas memórias seus vários heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè, Federika Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre com o poeta português Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta menos na autoria do que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem dos poemas para a realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta e os leitores.

 É Gigi Mocidade, por exemplo, que carrega a bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência ou morte”, já nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico Baudelaire “escrevo para não morrer antes da morte” anuncia a intenção memorialística. Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão, argumenta que a escrita seria a morte da memória, mas o que seria de todo o repertório literário não fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam tantos signos produtores de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a razão? A escrita não se tornou a morte da memória, mas impossibilitou a morte dos poetas eternizados nas páginas dos livros e memórias dos leitores.

 

poema 10

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora estão famintos

cravados na memória

 

Nesses oito versos, o autor nos apresenta metalinguisticamente seu percurso poético até este livro que não é uma obra dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des) norteia o poeta que não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que nunca deixaram de afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.

 

poema 12

 

tem algo de errado

nessas estatísticas de mortes

dessa pandemia

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que dá um nome ao   país

que ainda nem era uma nação

 

A verve surrealista do poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos protagonizados por personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à conhecida protagonista de A hora da estrela de Clarice Lispector) e alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.

 

Em FULINAIMAGEM 14 o tom  de diário se instaura com inscrição de data do acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor: “a minha relação poesia teatro poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena  a necessidade do corpo como expressão”. Artur Gomes, este homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem presente, da vida presente. Parafraseando Drummond, com O Homem Com A Flor Na Boca, “não nos afastemos, não nos afastemos muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de Artur.

 

Adriano Carlos Moura

Professor de Literatura – IFFluminense, Campos dos Goytacazes-RJ – Poeta, Ator, Dramaturgo


Os Tortes Tecem Considerações 

O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.

       Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão. É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”.  Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”. 

E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.

Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.

 

 


 e ela vai pintando

 o homem com a flor na boca

 com seus pincéis de aquarela

 poema que só é possível

pelas lentes dos olhos dela



mini conto  

as formigas trepam devagarinho

como carregassem folhas gigantes 


A Rosa Vermelha do Povo

para Drummond, Darcy Ribeiro, Brizola e Oscar Niemayer in Memória

 

 a rosa de Hiroshima ainda fala

a rosa de Hiroshima ainda cala

Frida e seus cabelos de aço

 

Picasso pintou Guernica

e quando os generais de Franco

lhe perguntaram:

 

 - foi você quem fez isso:?

ele prontamente respondeu

 

 - não, foram vocês que fizeram.

 

 Cartola um dia me disse

que as rosas não falam

simplesmente as rosas exalam

o perfume que roubam de ti

 

Agora trago a Rosa Vermelha do Povo

para clarear esse Templo escuro

 

quem poderá viver nesse presente?

quem poderá prever nosso futuro?

nem Zeus nem o diabo que os carregue

 eu quero um reggae um arte lata

a vida é muito cara nada barata

eu sou Drummundo Curumin - no fundo

 

 Tupã Rebelde não pede arrego

poesia é pra tirar o teu conforto

poesia é pra bagunçar o teu sossego

 

                           educação gramatical

 

ela tem um travessão

atravessado

na frente da palavra quero

me diz: espera

não por falta de desejo

tenho medo de dois pontos:

os seus olhos os seus beijos

pra onde você quer me levar

de tudo que a exclamação possa engendrar

 

respondo:

 

coloco vírgulas ponto e vírgulas

reticências qualquer outro sinal

abro parênteses

(os meus poemas nunca vão ter ponto final)

 

                                       Bolero Blue

 

beber desse conhac em minha boca

para matar a febre nas entranhas

entre dentes - indecente é a forma

que te como bebo ou calo

e se não falo quando quero

na balada ou no bolero

não é por falta de desejo

é que a fome desse beijo

furta qualquer palavra presa

como caça indefesa

dentro da carne que não sai


Teatro do  Absurdo

 

o quarteto da hipotenusa

versus o quadrado do quarteto

da hipotenusa a musa no quadrado

do retrato fosse apenas fotografia

mas não sendo hipotenusa

somente musa algaravia

uma palavra mais que estrada

sendo musa multivia

me levou nessa jornada

para fora da bahia

todos os santos mar aberto

no abismo a fantasia

de querer musa entretanto

muito mais que poesia

 

 

 

 

A flor dos meus delírios

tem cheiro de poesia

relâmpagos de Iansã

incêndio no meio dia

 

Netuno em polvorosa

me disse em verso e prosa

que ela vem com o frescor da maresia

e eu serei o seu Ogum

anjo da guarda e companhia

 

hoje mesmo distante

essa preamar me incendeia

ondas espumas explodem na areia

tempestades trovoadas ventania

e nem sei se estando perto

calmaria

 

 

 tirar leite das pedras

plantar flores no deserto

talvez seja esta a minha sina

colher a lírica

na argamassa do concreto

 



metáfora

 

meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro 
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro

 

 

 6 outubro - 2022

 

a mulher dos sonhos

voltou ontem

sedenta faminta insaciável

esgotou-me

à última gota

 

mesmo vazio

me senti um tanto cheio

nem foi delírio loucura

porque vi no meu e-mail

o nome da criatura

 

 Em 1995 no Centro Cultural Maria Antônia, na USP, em cia da minha querida amiga Silvia Passareli, assisti uma encenação de Cacá de Carvalho, com texto de Pirandello que me pegou da medula ao osso. A plateia era de 40 pessoas apenas e Cacá circulava entre nós com a sua energia pulsante magnética. O texto era um fragmento de uma trilogia que ele deu o nome de O Homem Com A Flor Na Boca. E a ele, Cacá de Carvalho, dedicamos este livro.

 

 chamaram-me  atrevido

o fonema entrou pelos ouvidos

como um raio de Iansã

                         Eva nem percebeu

                     a serpente no espelho

                         a mordida na Maçã 


  

Deus não joga dados

Mas a gente lança

tenta –

em arte tudo se inventa

 

 Eu tenho flores

com a língua atravessada em cada canto da boca

 


 Dê Líricas

 

bebo teus olhos atlânticos

e tua voz portuguesa

como quem bebe no Tejo

saudades de Lisboa

 

caminho com os teus passos

em direção ao poema do desassossego

Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa 

 

ressignificar eis o verbo

no poema do absinto

o sentido mais concreto

ou mesmo o abstrato

na argamassa do absurdo 

 

 

Baudeléricas Bordelíricas 


 o poema um beijo em tua boca bruna tem um B entranhado entre as coxas a pele das amoras gemem quando venta forte em tuas fendas do hoje comi duas nessa manhã incendiária quando vim da cacomanga trouxe nos bolsos da calça remendada linha carretel cola de trigo cerol bambu papel de pipa pique bandeira pique esconde jabuti preá da índia pés de abóboras replantáveis o pé de abacate ainda não nasceu isadora chegou ontem 30 de março numa tarde outono à sol aberto noite gelada frio na medula maya ainda escreve sobre depressão no tempo folks may abriu as asas pra malásia e a outra mora do outro lado em outra terra rio grande muito longe tenho sede

 


a flor da pele ainda sangra

 

quixaba uma palavra estranha
assim como katchup guanabara guaxindiba
guarapari lembra-me índio capixaba
goiaba carne vermelha
o corpo nu diante do espelho
página do livro onde   grafitei
o  couro cru & carne viva
alga marinha nascida em mar de angra
a flor da pele ainda sangra
como último beijo mordido na boca
                      sem sinal de despedida


com os dentes cravados na memória 

 

tontas  vezes me re-par-to mul-ti-pli-co em 7 alegria dos noves fora nada tudo é baudelérico federico me dizia leonardo fez 80 afonso 84 na rede somos 3 quando ele vem já somos 4 em temporais escrevo e sangro como boi antes da morte muitos outros já se foram e nem gozaram em 69 se eu me lembrar 64 não posso esquecer 68 era uma noite de maio peguei o trem pra são cristóvão depois avião para brasília quando voltei no espelho dédala já estava dentro da tipografia


Ofício de Poeta

 

franzir a noite

é o mesmo que bordar o dia

costuro o tempo

com linha de pescar moinhos de vento

entre o franzido e o bordado

escrevo um desenredo

e vou foto.grafando

filmando poesia

na solidão dos meus brinquedos

 

 II

 

costuro arco-íris

com linhas de bordar

teus olhos d´água


 III

 

pego na enxada diariamente

para capinar o quintal

da estação três cinco três

 

literalmente

 

não é metáfora

para lamber cio da terra

como na canção que Chico fez

 

IV

 

a poesia as vezes me vem da fala

outras de vozes absurdas

na travessia cantei pontos de Jongo

Folias de Reis Festas Juninas

Folguedos de São João

despachos de Macumba

para me defender do capataz

 

pulei  fogueira em brasa

comi o milho assado

nos tempos  do nunca mais 

nunca vivi porto seguro

na minha praia não tem cais

escrevo como falo aprendi com os ancestrais

 

 V    

 

com uma câmera nas mãos   

um poema na cabeça

vamos filmar o poema

antes que desapareça 

 

A mulher dos sonhos

 ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em  entre linhas  salta das metáforas por entre portas e janelas para o quintal do agora



arde em mim

um rio

de palavras

 

corpo larvas erupção

mar de fogo

          vulcão



no romance do Poema

Mário Faustino traçou o seu destino

 

FederikaLispector

 


havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo

 

Herbert Valente de Oliveira

 

 

 Irreverência ou Morte!

Gigi Mocidade

 

 

 escrevo para não morrer antes da morte

Federico Baudelaire

 

o poema é um lance de dados

mas não fugirá ao acaso

 

Stéphane Mallarmé



 
linguagem toda viagem

 

imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia. muitas vezes imagens me levam a viajar -  como deve ser escrever para não enlouquecer ¿  muitas vezes algas que ela  traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho


poema

 

o poema pode ser  um beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró  o assassinato de Lorca o poema pode ser  o que vai o que não fica Lupicínio na Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso 

 

 

                                           

 

 

 

                                          o

                                          Delírio é a Lira do Poeta  

se o Poeta não Delira

sua Lira não Profeta

                                          

 

 

ando tendo sonhos antropológicos que mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos

 


 

poesia 

 à flor da barra

 

amor à primeira vista

meu livro vermelho de sangue

Ouro Preto na contra capa

a musa morta no mangue

rosa vermelha no altar

desejo paixão fogo brasa

incêndio na minha casa

para nunca mais se apagar

 

 

 

                                          poema 1

 

o que você faria

se soubesse que és musa

de dois poetas tortos ?

 

um visivelmente você sabe

o outro se oculta

por trás da lua nova

quando deita rede na varanda

               com sua luz de zinco prata

 

 o que você faria

se hoje eu te dissesse

que o tempo tarda mas não finda

e que a lua só é nova

porque se preservou dentro da mata

                                      curuminha ainda ?

 

 poema 2

 

esse poema mora dentro de ti

entre pele pelos músculos nervos ossos

quase pronto      mas sempre inacabado

não importa o caminho ou se Cronos 

o disperse em curvas de distâncias

ou que o carinho não baste

quando é sede e fome  o que  se tem no  corpo

 



 não sei por quantas vezes

nem sei por quantos anos

um pássaro leva para se abrigar no ninho

ou para fazer de um fio elétrico

o seu lugar de pouso

quando quase tudo no poema ainda está por vir

só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto

mas será sempre no teu colo que ele

                                 um dia irá dormir 

 


poema 3

 

o homem com a flor na boca

faz dos seus versos

poesia um tanto prosa

 

tem na pele o couro cru

e um parangolé

pendurado no pescoço

onde pensamos nervos

no seu corpo -  ali  é osso



 

tua língua atravessa

o pontal das coxas

quando o leito do seu rio

transborda um oceano

 

carrega espinhos na carne

como fossem pétalas de rosa

com os dentes rasga da musa

 - todo pano - e ali mesmo goza



A folha de papel em branco sobrevoa a transparência diante do espelho onde me espreitam dois grandes olhos  feito jabuticabas de um pomar que inda procuro a palavra escrita ainda não dita de um desejo impuro e a folha branca de papel pousa em tuas mãos como um pássaro não nascido ainda vindo do futuro


se sou torto não importa

em cada porta risco um ponto

pra revelar os meus destroços

no alfabeto do desterro

a carnadura dos meus ossos 



hoje

o maior desafio

                          permanecer Nu cio

 

 

 ando em alpha

quase beta

meu destino ser poeta



poema 4

 

meus olhos atravessam

as lentes - o peixe

e caminham em direção a luz

que está do outro lado

o infinito

que me espera com seus

olhos d´água

 

ela virá com sua boca

de batom marrom vermelho

e eu espero

com minhas 7 línguas

atrás da porta

com o mel e o veneno

a pimenta e o azeite

vamos devorar o peixe

no caldeirão incandescente

em nossas línguas

só flechas - o fogo

                     a águardente –

 

 

 

                                    poema 10

 

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora estão famintos

cravados na memória


poema 11

 

escorre - nus

teus seios

espuma que jorrei

em tua boca

 

ainda existe algo

entre as coxas

e as costas

algas - água

o sal da língua

que lambeu a tua ostra


 poema 12

 

 

                                                   tem algo de errado

nessas estatísticas de mortes

dessa pandemia

 

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que dá um nome ao   país

que ainda nem era uma nação

 

 

 

poema 13

 

arranco mais uma pérola

do ventre de hilda triste

na porta da tua casa

meu poema ainda insiste

 

a menina que matou o tempo

o vento também comia

na lâmina do catavento

pra espantar a maresia

 

nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

bateu uma pedra no rock

e nos levou na ventania

 

 

 

 poema 16

 

respiro-te enquanto escrevo

teu cheiro trazido pelo vento

vem da carne de  manga

que mastiguei cinco minutos

 

tens o poder de me deixar em alfa

e me levar aos píncaros 

                           nesse estado êxtase

quando estou em transe

           quando alfa é beta

e o luar da tarde são teus olhos raios

                         quando os meus acerta

 

                   

 

   poema 17

 

fiz um trato com a ironia

o sarcasmo         a poesia

o bom humor a picardia

 

para enfrentar essa tragédia

tenho de sobra a alegria

e o que não falta em mim é  cobra

                 visceral antropofagia

tenho de sobra em minha obra

          profanação sagrada orgia

 

               

poema 18

 

nos meus delírios baudeléricos

ou mesmo fossem baudelíricos

sonho teu corpo flor de cactos

como se fossem flor de lírios

toco teus pelos flor do mangue

pulsando sangue em teus martírios

penso teu sexo flor de lótus

sagrada flor dos meus delírios

 


 

  poema 19

 

a língua hoje passeia

pelos martírios de florbela

em tudo que ela não disse

ou mesmo exposto não revela

pelas janelas do corpo

por todas dores prazeres

no que ficou por dizeres

no silêncio quando cala

por tudo que ainda não cabe

na sensualidade da fala

 

 

 

 tantos pratos

e talheres sobre a mesa

              onde tudo cabe

 

 

desde que não seja lama

desde que não seja Vale

 

 

holocausto

 

quem se alimenta

dessa dor

desse horror

desse holocausto

 

desse país em ruínas

da exploração dessas minas

defloração desse cabaço

 

quem avaliza o des(governo

simboliza esse fracasso? 

 

 

 

 metafórica dialética

 

quantas teorias terei

para escrever o que falo?

 

quantos sapatos ainda apertam

os calcanhares do meu calo?

 

me esqueço as vezes sobre a mesa

no jantar ou no almoço

garfos facas pratos talheres

me perco sempre em  incertezas

 

se são onças leoas leopardos tigresas

e não saber  se amanhã

vão morrer quantas mulheres

                nas fardas da realeza 

 

  

        nessa tragédia social

os 270 mortos

em Brumadinho

 mostram que

nesse hospício

 há muita lama

no meio do caminho



fake book

 

o face detonou

minha família inteira

e lá se foram

os meus amores carnavais

 

e agora o que é que eu faço

sem as Anas sem as Eras

 

as Cristinas Isadoras Micaelas

Vênus Afrodites todas elas

os bem-me-quer dos meu aceiros

                       e dos meus canaviais

 

essa rede assim fascista

 não comporta

os meus poemas canibais



crise

 

diante dessa crise tanta

não adianta

        fazer o que não deve

 

no improviso do repente

poeta inteligente

não inventa:     escreve 



ando

tão tenso

nesse tempo

           estático

que não consigo

escrever tudo que penso

 

 

 

diagnóstico urológico




segundo o urologista

 

o sangue na urina

transbordou da próstata

sem passar pela bexiga

                     direto na ureta

 

e se não fosse tanta dor

juro quem sabe um dia

eu seria um bom poeta

 

 

 

 FULINAIMAGEM

 

mais breve que

                      ponteiros de relógios

o amor roeu os ossos

comeu a cartilagem

                  da linguagem dos negócios

 

minha vida de cachorro

não está pra peixe inteligente

tenho chorado

                         as mortes que não tive

                         o morto que ainda vive

 

tem gente que aterroriza

minha pobre paciência

                        tamanha a indecência

dos seus discursos de bestas

           da sua língua de bosta




 FULINAIMAGEM 3

Overdose Nu Vermelho revisitada*

 

na linguagem dos 80

o corpo não precisava

de puteiro  prostíbulo    bordel

 

faltasse carne

pra roçar os óvulos

 a língua jorrava tinta

                        no papel

  

 

*Overdose Nu Vermelho – poema do livro Couro Cru & Carne Viva - 1987

 


FULINAIMAGEM 4

 

muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro  outras  vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro 



FULINAIMAGEM 5

 

nessa linguagem de palavras ostras

marisco em minha língua

                                espuma

escorre entre tuas coxas

 o mel da palavra

                                    pluma

 gosma dessa baba enguia

feito fogo queima  o sal

 dessa água impune fosse

                      espada peixe

       flecha ao sol no meio dia



FULINAIMAGEM 6

 

minha língua baudelérica

faca de dois gumes na métrica

 morde o outro gumes na delírica

 a minha língua só fonética

                                  mallarmaica

                                      brazilírica.

 

minha língua pós andrátrica

drummundana cibernética

 afrodite na genética

 mata o verme da quadrilha

 bomba de nêutron energética

               assassígna de brazilha

 

 

  FULINAIMAGEM 7

 

língua nova não tem dono pode estar em qualquer boca  na minha na tua na dele na dela   morde portas e janelas como se algum dente fosse língua nova está na casa na areia na argila nesse barro chão batido nas paredes de tijolos nos telhados de algum palácio assombradado  ou mesmo  fosso língua nova está no corpo está na carne está no sangue está nos ossos  língua nova é quando posso catar um caranguejo pra escavar um novo poço



FULINAIMAGEM 8

 

a língua cospe da boca  essa saliva sangue escarro do beijo  que me foi roubado de outras bocas bêbadas desses dias inglórios descem cascatas de trovões anunciam  tempestades o sal amargo de algum ventre exposto as sevícias da barbárie nas ruínas dos castelos entulhos dos palácios esqueletos carcomidos por longos séculos de ócio



FULINAIMAGEM 9

 

rasgo o véu na membrana em tua íris espinho minha língua cavalo no galope nesse pasto de quimeras  era foice faca e vieste de outra Hera  fosse febre fértil  fumo nas artérias fosse sangue venenoso em minhas veias óxidas rios de carbono e chumbo lama mineral nos restos dos impérios  que um rei tirano trouxe


 

FULINAIMAGEM 10

 

a voragem da linguagem me deixou vertigem nas costas da janela estela foi despindo as coxas me beijando os músculos com os seus dedos de moça nas entre linhas do meu terno pra que a língua ardesse como pimenta azeite  no fausto fogo desse inferno



FULINAIMAGEM 11

 

pessoas que me comovem são aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados cuspindo seus relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. sou fanático sim por blues samba e reggae. faço as minhas escolhas independente do meu coração partido e sigo vivo com Os Dentes Cravados na Memória para nunca jamais esquecê-las como a carne que comia -  pessoas que me comovem rasgam o peito e                                      deixam sangrar    porno grafia 



poética 100

 

desconstruir os objetivos fascistas

:

eis a questão

 

 diária missão

de cada um de nós

                      poetas

quando sabemos que

                                linha torta

                               é muito mais

que um poema em linha reta



FULINAIMAGEM 12

 

quando zeus

me apresentou o raio

umbanda venceu demanda

conheci um cão azul

que me guarda

               na varanda


 

o cão azul
para Rodrigo Sousa Leão
                         in memória

 

ele cantava
como um pássaro engaiolado
as 4 da madrugada
no seu apartamento


e me perguntou
se eu tinha gostado
da garganta da serpente


e se era também azul
o cachorro que estava ao meu lado
invisível para mim
naquele momento


o amor

é um barco bêbado

depois da chuva

naufragado frente ao cais

                        em Ubatuba


ancestral

 

há muito tempo não recebo cartas de ninguém mas não rezo padre nossos simplesmente para dizer amém                 já fui católico rezei terços ladainhas acompanhei a procissão dos afogados na tapera para soletrar a palavra ca co man ga e entender que o barro da cerâmica trago grudado na retina - meu batismo de fogo foi numa santa cecília entre víboras e serpentes  mordi a hóstia do padre - sua saia preta -  me levou a pânicos e pesadelos - de sonhar com  juízes que hoje posso saber o que são -  minha África são os olhos negros de Madame Satã - na língua tenho uma sede felina  na carne essa  fome ancestral pagã – de ser um homem         comum         filho de Ogum com Iansã



cato caco de vidro nos azuis

                                             

cato cacos de vidros  nos azuis dos alumínios lâminas  de fogo azulejos nesse olho d'água  algas e pedras nesse tempo ostras  antes das horas que o dia tarda e os tiranos engatilhem  seu torpor maligno - cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas - são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas  que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus - essas horas que se perderam em ondas elétricas que se ejaculou nos ventos nas marés do zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios



com os dentes

cravados na memória

 

em são sebastião do sacramento suas coxas em  movimentos me lembravam  peixes sagrados nos mares que minas não tem - mãos por teus montes claros provocavam  marés - atropelos -passeios de língua entre pelos também em outras partes lábios de mel sal abissal um peixe espada - prometeus -  desejos despindo teus seios teus dentes cravados nos meus e a lua por sobre a capela a luz em tua alma - donzela -  afrodite  - uma  caça indefesa - presa - em minhas unhas de zeus

 

 

  

 ainda que eu fosse

 

ainda que eu fosse peixe
ainda que fosse pedra
maré de maio não medra
maré de junho não fedra


a senhora das tempestades
vestiu meu vestido de chuva
vestiu minha blusa de vinho

nas festas das horas marcadas


a senhora das trovoadas
despiu minha roupa de sexta
despiu minhas roupas de quarta
deixou-me com saldo das festas
        com gosto de encruzilhadas

 

                                          Rúbia Querubim

 

 

 

a mulher dos sonhos
será que Freud explica?

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço não estava -  a governanta me falou que estava em búzios - não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser sempre escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos nos búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei do outro lado da praia ela gritou meu nome – perguntei quem era – ela me disse o sobrenome – não decifrei o sonho – mas perguntei se freud explica – ela me deu um beijo na boca.

 

 

 

 mallarmè me deu o toque

para Filipe Barbosa Buchaul Gomes

 

poesia é pau é pedra

palavra sem retoque

quem conhece o lance de dados 

não joga com dado lance

 

não troca flecha por lança

nem armadura por bodoque

 

quem sabe que  vida é fedra

não teme a hora do toque

nem quanto custa ler Roberto Piva

e ouvir Fil Buc com a sua  banda de Rock


 

escridura

 

esse poema absurdo

direto no ouvido do surdo

escridura nos olhos dela

ela bem sabe o que desejo

ela bem sabe o que espero

tem canivete no sangue

tem um alfinete entre dentes

a faca que corta a navalha

sangrou as tripas no ventre

o beijo quando for que seja
de língua lambendo a carne quente

 

                                                        

 

ela já foi meu grande amor

chegou na trovoada

                        feito ventania

 

            foi como tempestade

morreu na calmaria




 cato cacos de azuis

nos alumínios
em cada mínimo
                que vejo
azulejo

 

um poema mallarmaico

satírico freudelírico aramaico

onde voz nenhuma me alcance

um lance de dedos nos dados

uns dados de dedos no lance  

 

 

onde vais cinzia farina

toda vestida de letras

como quem grafita na areia

esse seu espelho d´água

à beira mar na lua cheia


 

nonada no meu prato

na hora do meu  almoço

nonada no meu prato

na hora do  meu jantar

 

nesse país a fome é tanta

que comeram meu calcanhar  


no lance de tantos dedos
no jogo de tantos dados
meus 5 sentidos mordem

 signos

                               sem decifrar   significados

 

se continuarmos

a dar  queijo para os ratos

eles continuarão

a roer nossos sapatos 

 

 

 

 grafitemas e figuralidades

 

estou escrevendo um mini conto um grafitema umas figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia  vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê  nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me         perguntou quem eu   era 

 

 a  transa as tralhas os truques 

 

 

 

cai o pano

nenhuma surpresa

pratos vazios sobre a mesa



nessa pedra me abstenho

nessa pedra me abstrato

não concreto o que não tenho

nem des(calço) o teu sapato


 

o cateto  na hipotenusa

a hipotenusa no cateto

o som dessa flauta me parece

sinfonia do Hermeto 



essa minha obsessão

por beleza na ternura

abstrata no concreto

vem da plasticidade

de uma nova arquitetura



o amor
esse bandido
levou-me os fios de cabelo
roubou todos meus  sonhos

e transformou em pesadelos 



Poema 8

 

 

o dia que não te vi
foi baudelérico


a noite que não beijei sagaranagem
quando vi e não me viu não entendi
porque o  amor não foi selvagem

 

quando beijei e não sentiu
só mallarmélico


para escrever o que ainda
está por vir quando delírico



última ceia

 

do peixe vamos comer

somente espinha

na rapadura com farinha



vertigem 12

 

o barro do valão que os pés pisaram impregnou o sangue transpirou  nos poros o limo embaixo das unhas lembra-me o lugar de onde vim aquele sertão alado como uma ilha de creta montando alazão enluarado pre-destinado a ser poeta não tracei a linha reta já nasci um anjo torto nada em mim se concreta no meu sonho – desconforto -

 

tudo em mim é impossível até mesmo imprevisível muito mais que inalcançável não gosto de automóvel muito menos televisão cresci dentro do mato conheci olho de cobra tigre  felinni felino   moleque malandro gato  com dentes afiados de cão

 

 

  cada um com seus desejos

e o amor em desalinho

eu tinha fome de beijos

ela tinha sede de vinhos   



pandeprosa

para Divanize Carbonieri

 

 

poesia poderosa

 muitas vezes pandeprosa

muitas vozes vozes muitas

muitas outras línguas claras

mesmo em noites obscuras

o abstrato se depura

em raras vozes vozes raras

ave palavra criaturas

poesia é coisa cara



roteiro para um poema épico

 

estou liquidi-ficando com a fome dos     desejos que se foram antes

 

itinerário

 

esse poema contém vírus desejos pecados rasgados com Stella em São Conrado subindo ao Cristo Redentor do morro do Corcovado a pedra do Arpoador

poesia pecados da carne sem limites

feito lâmina a luz do sol  penetra em minha carne água sol sal céu mar limão alho mel de cana azeite suor pimenta atum sardinha gema no poema inventa cama em chamas acredite  receita infalível para o sexo dinamites

 

 nesse mar de espuma voa leve pluma nos teus olhos d´água travesso desde menino pelo destino em ser felino por travessura e desatino nas entre linhas entre minhas vinhas uvas passas ao rum línguas de vinho

 

Po Ema

 

se penso resisto mesmo tenso insisto atravesso o tempo como quem partia nesse azul de sal num mar de algaravias como quem se esquece numa quinta feira  grafitando ideias com um giz de cera em um mar de algas em tua pele pera na corte dos fellinis  o mais felino quebra as regras da estética desde menino zomba da rima rica na poética por ironia do destino

a solidão berra entre  céu e  terra

pala(r)vras de fogo em cartas incendiárias queimaram horas e dias nem sei mais o que pensam as 7 medusas do monstro encontradas no manguezal

 

tupi or not tupi

 

Itapetininga pedra de sal no mar de Pirapitanga  tem gente que de repente deixou de ser ou já não era¿  quem disse que amor é santo¿ nem tudo que poderia te dizer escrevo nem sei mais quem habita as costas do teu litoral e quantas algas já contei nas asas do temporal imagens em chamas vieram nas entre linhas rasgando as entre minhas esporas palavras dela

quem disse que desejo não cabe no poema?

 meu objeto do desejo tem nos olhos cor de algas e algum peixe que se foi sem teatro a alma   não respira perde-se a vida Serafim Ponte Grande ainda me aponta uma ponte algumas trilhas tenho uma amiga que ainda não sabe quanto é musa - nas Juras Secretas para ela muito já foi escrito e muito mais ainda  tenho   a escrever até rasgar as entranhas nas armadilhas do ser  estou desde dezembro sem poder fazer o que gosto e isso me deixa em desgosto a vida sem tira-gosto vida de gado:

 

 

depois da engorda o matadouro  céus de fogo já rompendo as madrugadas  em noites claras  do  sertão por serTão iluminadas trago essas noites dentro das cercas e arame farpados  os currais dos campos cerrados meu mato grosso de sangue vermelho fincou na cancela imagem do corpo estirado depois do tiro no peito na fazenda encharcada abandonada  trago essas noite no tempo  da cacomanga assustado um menino que aos 7 anos viu a morte de perto por dentro de uma garrucha  do seu tio ali suicidado

 

hoje nem sei se escrevo

poema em linha reta

    ou se embarco direto

para ilha curva de Creta

 

dada ista dada

 

 ista era uma menina que me queria quântico metafísico se o amor não fosse em carne até mesmo osso com o estigma da crueldade presente em cada ato quando a pimenta do reino ardesse em vossa língua ou queimasse à flor da pele o céu da boca e a carne nua e crua exposta ao sol ao vento fosse apenas um feixe de lenha a ser levado por qualquer lenhador que ousasse invadir seu mato dentro

 ista me queria dentro de um versículo bíblico mastigando a pedra até o pó a memória é uma língua suja que lambe a carne das palavras morde com seus dentes até sangrar melado dos canaviais dessa lavoura arcaica que hoje cultivo em meu quintal tem dias que a ossatura no corpo não é mais que uma carcaça segurando a capsula da pele aqui de fora esse corpo que carrega 288 estações primaveras verões outonos invernos à beira de um abismo sem luz no fim do túnel pra clarear  meu modernismo 


nonada

:

o homem com a flor na boca

 

 

vida toda linguagem

língua o trem da viagem

 

pinda o nome

na terceira margem do rio orucun

 

o mato grosso

me acertava

com algo

que ainda não conhecia

 

 

flecha de fogo certeira

Divanize me alertava

e o coração estremecia

 

os dias selvagens te ensinam

Aricy de minas

refletia

 

o amor no cerrado sangrava

como um beijo no asfalto

na boca de quem comia

 

o barco deslizava nas águas do paraguai

        em direção ao futuro que não vinha

 

 

 o homem com a flor na boca

atravessou o pantanal

com o seu poema pássaro

 

ave palavra profana

cabala que voz fazia

 

moro no teu mato dentro

não gosto de estar por fora

tudo que me pintar eu invento

como beijo no teu corpo agora

 

de suas janelas ela me olhava

como alguém que ainda não me percebia

o barco seguia seu fluxo

o sangue na veia era o que mais me ardia

 

 

 ela só tinha nos olhos

animais aquáticos

os pássaros vez em quando

pousavam em suas janelas

 

minha língua lendo Ivo

me revelava o tempo e a ostra

 

campos era uma cidade

noblesse uma livraria

nas veias da mocidade

arte era o que existia



 

 a bruxa dos cacos de cogumelos azuis

me confessou rasgando um blues

com os gumes da carnavalha

e as lâminas de um canivete

prometeu esquartejar os vermes

na próxima sexta vinte e sete

 

 na noite consagrada ao desfile

toda cidade enfeitada

 para um novo  ritual

amanheceu a flor do pântano

e era domingo de carnaval

 

colorau o nome  do  vermelho

com que batizei o festival

 

no nine nem

língua toda viagem

linguagem que me convém

 

em meu estado de surto

Sartre de  poesia

mama áfrica

a minha mãe já me dizia

ferramenta de barbeiro é carnavalha

a do poeta deve ser filosofia

 

 retorno da viagem o hiato (entre parênteses) porto viejo canavarro onde o barro da carne era mais quente carnaval com fogos de artifícios um ritual em algum navio alguma nave o pantanal o mato grosso uma viagem a travessia

 

cada escola de samba que passava era  um  grito de nostalgia o pelo na pele arrepiava oswaldívia me visitava e quem disse que me alivia o corpo em transe delira e o povo de lá  sucupira  entre o pantanal de  Corumbá e a fronteira  na Bolívia meu corpo todo à deriva no mato grosso do sul no barco só tripulantes com seus turbantes azuis lábios vermelhos das tintas extraídas dos urucuns onde índios mascam contentes as suas folhas de coca e celebram seu presidente 

 

 Evo Morales  nativo no fogo daquela gente num ritual transitivo  me leva a muitas cervejas do outra lado a fronteira  de santa cruz de lá sierra  a barra do sol cana brava  usina de sal minha terra onde Stella   me esnobava mas bom cabrito não berra atravessei a fronteira  fui dançar  com Gabriela uma índia  boliviana  que me agarrou pelas costelas e me amarrou num trava língua como os meus  tempos na tapera 

 



 não é fácil

uma linguagem fácil

complexa ou  metafórica

no ritmo de uma roda gigante

que a tua  língua não controla 

 


tragédia infame

 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridosos que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha

empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou os que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades  por balas de fuzil  está fudido esse  brasil entregue as traças e só  me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça 

                          


O homem com a flor na boca

 

cada boca tem sua língua

cada língua tem seu vício

cada vício seu desejo

metáfora de fogo quem sabe

ou flor do desejo quem dera

o desejo da língua é o beijo

vermelha  flor de aquarela

a rosa quem me deu foi ela 



 

nos olhos da flor 

o  que sinto

no coração absinto 

o que vejo

e sem  nenhum sacrifício

amar de forma indireta

sem pensar  fim ou início

de alguma jura secreta

a seta no arco é a flecha

o alvo da flecha é a seta

            a flor na boca é desejo

           o beijo na flor é a meta 



minha escrita

grita

muitas vezes

palavras soltas ao vento

invento



cana caiana

 

da cana

o açúcar

o melado

a rapa dura

o chuvisco da gema do ovo

e a minha língua sacana

atenta a tudo que faço

falando a língua do povo

moído como bagaço


 

 discípulo de Rimbaud

 

minha tv pifou

nem tenho ido ao cinema

meu filme está  na carne da palavra

esse poema é trágico

me lembra infância lá na cacomanga

televisão nunca tivemos

era rádio de pilha depois de bateria

meu pai criava porcos

para vender na primavera

e complementar o seu salário

que nem o mínimo era

carteira de trabalho nunca teve

como administrador de uma faze

com mais de 1000 alqueires de terra

com produção agropecuária

canavieira e cerâmica industrial

esse é um poema em linha reta

nem sei por quê e para que

me tornei poeta discípulo de Rimbaud

talvez só para escrever

que no Brasil mesmo depois da Abolição

Escravidão nunca terminou



Beatriz – A Morta
Oswald de Andrade Re-Visitado

como pedra me olhas
como fedra te vejo
vestida de carne nua
a língua na maçã navalha
tua alma transparente crua
o olho por detrás da porta
poema com pavio aceso
quando Oswald pariu A Morta
tinha os dentes
nos teus olhos preso


a tarde arde como gengibre na carne da boca faz tempo não pedalo pelo litoral com a língua alvoroçada na espuma das marés em guaxindiba sempre encontro motivo para os dentes lábios e dedos carne de caranguejo no meio do beijo tem uma mulher de Itaocara passeando por aqui saudades da minha amiga de Recife e da sua filha em Rio das Ostras onde vaza sob meus pés o poema inacabado agora me vens de Salvador todo desejo toda fúria incontrolável como cavalo selvagem que se         desprendeu da cela


Artur Gomes - minibio

poeta.ator.produtor cultural vídeo maker

 

2023 – Criou o projeto Campos Veracidade para a  Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima onde atualmente atua na coordenação cultural em Campos dos Goytacazes-RJ -

 De 1975 a 2002 – Coordenou a Oficina de Artes Cênicas da ETFC – CEFET-Campos – IFF Instituto Federal Fluminense

 Em 1993 – criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira – Mário de Andrade – 100 Anos – realizado pelo SESC-SP

 Em 1995 – Criou o projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP

 De 1996 a 2016 – coordenou o Departamento de Audiovisual do Proyecto Sur Brasil – Bento Gonçalves-RS – realizando Mostras  Cine.Vídeo  na programação do Congressso Brasileiro de Poesia.

 Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, projeto que é realizado até hoje pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.

 De 2014 a 2016 – Dirigiu Curso de Artes Cênicas no SESC – Campos

  Em 2018 e 2019 lecionou no Curso Livre de Tetro da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.

 Em 2018 participou como convidado do I Festival Transepoéticas no Museu Naacional de Brasília-DF

 2021 - Curador do 1º Festival Cine Vídeo de Poesia Falada que é realizado na página Studio Fulinaíma Produção Audiovisual no facebook

https://www.facebook.com/studiofulinaima

 2022 –Integrou a Mostra Bossa Criativa – Arte de Toda Gente – realizada pela FUNARTE-Rio

 Curador da Mostra Cine e Vídeo de Poesia Falada realizada pelo SESC Piracicaba –


Livros publicados:

 

Um Instante No meu Cérebro – 1973

 Mutações Em Pré-Juízo – 1975

 Além Da Mesa Posta – 1977

 Jesus Cristo Cortador De Cana – 1979

 Boi-Pintadinho – 1980

 Carne Viva – 1984 – Antologia de Poesia Erótica –  Org. Olga Savary

 Suor & Cio – 1985

 Couro Cru & Carne Viva – 1987

 20 Poemas Com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos – 1990

 Conkretude Versus ConkrEreções – 1994

 CarNavalha Gumes – 1995

 BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas

 2000

 SagaraNagens Fulinaímicas – 2015

 Juras Secretas – Editora Penalux  2018

 Pátria A(r)mada – Editora Desconcertos – 2019  - Prêmio Oswald de Andrade – UBE_Rio- 2020

 O Poeta Enquanto Coisa – Editora Penalux -  2020

 Pátria A(r)mada – 2ª Edição - 2022


Tem inéditos os livros: Hipotemusa. Da Fonte A oz : Um Rio de Palavras e Itabapoana Pedra Que Voa 



Fulinaíma MultiProjetos

(22)9815-1268 - whatsapp

fulinaima@gmail.com

www.fulinaimagens.blogspot.com

@fulinaima @artur.gumes  


Live em homenagem a Antônio Cícero

No próximo dia 23 às 16:hs à convite da minha amiga  Renata Barcellos BarcellArtes  estaremos nessa live em homenagem a memória de  Antônio ...