domingo, 24 de agosto de 2025

que país é este?

 

ASSASSIGNO

 

NAS FILEIRAS DAS ESTANTES
S-OBRAM PALAVRAS E TRAÇAS:
NÃO REVERSE O VEIO DANTES
E POR MELHOR QUE O FAÇA.

A LINGUAGEM SÓ SE INVENTA
E JOGA COM DADO LANCE:
NÃO POETE DE REQUENTA,
POR MAIS ILUSÃO ALCANCE.

NÃO AMARELE ROLLS-JOYCE,
NÃO FAÇA MALLARMELADA,
NÃO EUFEMÍSSIL À COICE,
E NÃO CANTE POR CANTADA.

NÃO REBOQUE BARROCÁVILA,
NÃO CONFISQUE MAIS DE CLÁUDIO
NUNCA RE(X)CLAME DAH! VIDA,
NÃO SE CORROMPA POR GÁUDIO.

NÃO PANFLETEIE IDEOLOGIA,
NÃO HOLOGRAFE EM ATARI,
NÃO LOVERSONHE AS MARIAS,
NÃO PALAVRE: SIGNATARI.

NÃO VENHA COM REQUEVEDOS,
NÃO LENHE EM TOM DE GREGÓRIO,
NÃO ORDENHE OFÍCIO DO AEDO,
NEM O PÚBLICO-NOTÓRIO.

NÃO SAQUE A 45
NÃO INVERSE POEMA-PROCESSO
NÃO USE MEL, GOMA OU, EM VINCO,
DIVÃ-GUARDE RETROCESSO.

NÃO PROVENCIE A GOLIARDO
NÃO REENLOUQUEÇA OS AR(T)NAUDT,
NÃO FAÇA DA FALA FARDO,
NÃO INSUME COM O COCÔ.

NÃO VÁ, NÃO FIQUE NA ONDA,
NÃO CAIA NAQUELA OU DE PORRE,
NÃO REFAÇA PLAGIOCONDA,
NÃO SUJE O MARFIM DA TORRE.

NÃO PUBLIQUE O POETEGO,
NÃO BAJULE A PANELINHA,
NÃO SE DESDENHE DE CEGO,
NÃO FALE NAS ENTRELINHAS.

NÃO TRADÚZIA O NEO DOS CAMPOS
NÃO ANTIFUGUE BACHSTIANUNES
NÃO ENTRE – LINGUAGEM É GRAMPO,
NÃO JULGUE A POESIA IMPUNE.

NÃO OSWALDOLATRE PERJURAS,
NÃO VÁ DE BANDEIRA-DOIS,
NÃO RELATE AS ESCRITURAS,
NÃO ESQUEÇA DO NOME AOS BOIS.

NÃO LERÉIE POUNDERAÇÃO,
NÃO GELÉIE DE CUMMINGS-KAZE
NÃO RESTRÉIE RIMAR EM ÃO,
NÃO COQUETÉIE A NOVA FASE.

NÃO SE DISTRAIA, LENDO VICO,
NÃO SE TRAIA, SENDO OVÍDIO OU
SUBTRAIE OBRA DO PINICO,
NÃO VAIE NUNCA VERSUICÍDIO.

NÃO BISSEXTE PELO RETO,
NÃO SE ILUDA SEM VER GÍLIO,
NÃO DISCURSOBRE O CONCRETO,
NÃO PURGUEVARA OU IDÍLIO.

NÃO ALMAMINHE VAZ CAMÕES,
NÃO REDOBREGUE HUIDOBRO,
NÃO PROSOPOPEIE OS SERMÕES,
NÃO ESTRUTURALIZE O ADOBO.

NÃO TRANSUJE O BLANCO-PAZ,
NÃO URBANIZE JOÃO CABRAL,
SEJA PER-VERSO: ABRA O GÁS.
E CHEIRE AS FLORES DO MAL.

NÃO DRUMMONDEIE SUBSTANTIVO,
NÃO SE CORDEIRE EM ESCOLA,
NÃO ACADEMIZE LEDIVO,
NÃO STANISLAUDA O QUE ASSOLA.

NÃO SUGARANA DE ROSA,
NÃO CHANTEIE A ÉLUARD,
NÃO DIZ QUE A ROSA É A ROSA,
NÃO LIBERTE QUE SERÁ TARDE.

NÃO DÊ UMA DE ALCAGOETHE
RESOUSÂNDRADE O DISCURSO,
NÃO BEST-SELLER OU VERBETE,
NÃO DESMAIAKOVSKI OS RUSSOS.

NÃO ENVIE DESC-ARTE POSTAL,
NÃO DEIXE DE RE-LEMINSKI,
NÃO DERRAME ODE EM SARAU,
DECUBO-VERSAL, KANDISKY.

NÃO PSEUDOGRAFE PESSOA,
NÃO FREUDELIRE BRETON,
NÃO ESCREVA, A SÉRIO OU À TOA,
NÃO UNTE A LÍNGUA DE BATON.

NÃO FAÇA KILKERRELEASE,
NÃO PASSE POR ELLIOTÁRIO,
NÃO (SE) BANALIZE EM SILK.
NÃO SUPLEMENTE LITERÁRIO.

NÃO PASSE REPLEI, DESISTA,
NÃO HÁ VÍTIMA OU LIÇÃO:
VERSEJAR, ORA!, NÃO INSISTA,
O MELHOR POEMA É O NÃO.
 



         QUE PAÍS É ESTE?

                  Fragmento

 

Universidade Livre de Alvito

(Afonso Romano de Sant'Anna)

 

1

Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,

outra um regimento.

Uma coisa é um país,

outra o confinamento.

 

Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.

 

Uma coisa é um país,

outra um fingimento.

Uma coisa é um país,

outra um monumento.

Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.

 

Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça

em busca da especiosa raiz? ou deveria

parar de ler jornais

e ler anais

como anal

animal

hiena patética

na merda nacional?

 

Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo

comendo o que as traças descomem

procurando

o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso

que nos impeliu a errar aqui?

 

Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos

nacionais, como qualquer santo barroco

a rebuscar

no mofo dos papiros, no bolor

das pias batismais, no bodum das vestes reais

a ver o que se salvou com o tempo

e ao mesmo tempo

– nos trai

 

2

Há 500 anos caçamos índios e operários,

há 500 anos queimamos árvores e hereges,

há 500 anos estupramos livros e mulheres,

há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:

 

que o futuro a Deus pertence,

que Deus nasceu na Bahia,

que São Jorge é que é guerreiro,

que do amanhã ninguém sabe,

que conosco ninguém pode,

que quem não pode sacode.

 

Há 500 anos somos pretos de alma branca,

não somos nada violentos,

quem espera sempre alcança

e quem não chora não mama

ou quem tem padrinho vivo

não morre nunca pagão.

 

Há 500 anos propalamos:

este é o país do futuro,

antes tarde do que nunca,

mais vale quem Deus ajuda

e a Europa ainda se curva.

 

Há 500 anos

somos raposas verdes

colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento

com tempestades na boca,

sonhamos a paz da Suécia

com suíças militares,

vendemos siris na estrada

e papagaios em Haia,

nada nada congemina:

a senzalamos casas-grandes

e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma

joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa

e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas

e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas.

 

Este é um país de síndicos em geral

este é um país de cínicos em geral

este é um país de civis e generais.

Este é o país do descontínuo

onde nada congemina

e somos índios perdidos

na eletrônica oficina

Nada nada congemina:

 

a mão leve do político

com nossa dura rotina,

o salário que nos come e

nossa sede canina,

e a esperança que emparedam

a nossa fé em ruína,

placidez desses santos

e a nossa dor peregrina,

e nesse mundo às avessas

– a cor da noite é obsclara

e a claridez, vespertina.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

que país é este?

  ASSASSIGNO   NAS FILEIRAS DAS ESTANTES S-OBRAM PALAVRAS E TRAÇAS: NÃO REVERSE O VEIO DANTES E POR MELHOR QUE O FAÇA. A LINGUAGEM ...