Suor
& Cio
MVPB Edições 1985
*
A Poesia Liberada de Artur Gomes
Há uma passagem em Auto do Frade, de João Cabral, que me chamou a atenção:
“-Fazem-no calar porque, certo, sua fala traz grande perigo. –
Dizem que ele é perigoso mesmo falando em frutas passarinhos”.
Vislumbro aí uma espécie de definição do alto poder transgressor
da poesia , do poeta, da arte em geral: deixar fluir uma energia de protesto e
indignação, crítica e iluminação da existência, qualquer que seja o pretexto ou
o ponto de partida.
Por exemplo - : Suor & Cio, novo poemário de Artur Gomes.
Na sua primeira parte(Tecidos Sobre a Terra), temos um testemunho direto sobre
as misérias e sofrimentos na região de Campos dos Goytacazes, interior
fluminense. Não se canta amorosamente, as lavouras de cana de e grandes usinas,
os aceiros e céus de anil. Ao contrário. Ouvimos uma fala que “traz grande
perigo”, efetivamente ao denunciar – com aspereza e às vezes até com certo rancor – a situação
histórico-social, bruta e feroz, selvagem e primitiva, da exploração do homem
no contexto do latifúndio e da monocultura.
“usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
Mas esta poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a
sua força de transgressão – continua revolucionária e perigosa – mesmo quando
tematiza (principalmente em Tecidos Sobre A Pele, segunda parte do livro), as
frutas, ou prazer sexual, os seios, o carnaval, o mar, e os impulsos eróticos.
Por detrás dos elementos bucólicos e paradisíacos (só nas aparências, bem
entendido), eis que explode o censurado o reprimido, o que não tem vergonha nem
nunca terá:
“arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
no pomar das tuas pernas
eu plano a língua molhada”
Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio
ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artísticos. Ofício de artista,
experiência de poeta: presença e risco e da violação das normas injustas: carnavalizando,
desbundando a troup-sex, infernizando o céu e santificando a boca do inferno, denunciando
o rufo dos chicotes, opondo-se aos donos da vida que controlam, o saldo, o
lucro e o tesão.
Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados, afixados
em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memórias das
bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cio, graças ao suor e ao cio:
“com um prazer de fera
e um punhal de amante”.
Uilcon Pereira
são paulo, julho, 1985
QUASE
O poema brota da sombra da escuridão.
Dessa luz obscura do cotidiano
que nos toca de raspão
feito um vento obsceno.
Que a vida é só um risco
no nosso corpo
diante da imensidão do universo
ou da imensidão da Morte,
maior que a do céu e a do mar.
O poema se escreve sobre o que não se vê.
Não vemos a árvore a nossa frente,
nem a Lua,
nem o corpo assassinado,
nem o amor que beijamos;
vemos o que criamos sobre o real.
Nasce do símbolo e se alimenta dele.
Canibal.
O poema pendura a vida na língua.
Brota do tédio.
Uma espécie de melancolia. De esperança.
Ou quase.
O poema é sempre um quase.
(Tanussi Cardoso)
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