sábado, 6 de abril de 2024

Suor & Cio - Couro Cru & Carne Viva

Suor & Cio

MVPB Edições 1985

A Poesia Liberada de Artur Gomes

 Há uma passagem em Auto do Frade, de João Cabral, que me chamou a atenção:

“-Fazem-no calar porque, certo, sua fala traz grande perigo. – Dizem que ele é perigoso mesmo falando em frutas passarinhos”.

Vislumbro aí uma espécie de definição do alto poder transgressor da poesia , do poeta, da arte em geral: deixar fluir uma energia de protesto e indignação, crítica e iluminação da existência, qualquer que seja o pretexto ou o ponto de partida.

Por exemplo - : Suor & Cio, novo poemário de Artur Gomes. Na sua primeira parte(Tecidos Sobre a Terra), temos um testemunho direto sobre as misérias e sofrimentos na região de Campos dos Goytacazes, interior fluminense. Não se canta amorosamente, as lavouras de cana de e grandes usinas, os aceiros e céus de anil. Ao contrário. Ouvimos uma fala que “traz grande perigo”, efetivamente ao denunciar – com  aspereza e às vezes até com certo rancor – a situação histórico-social, bruta e feroz, selvagem e primitiva, da exploração do homem no contexto do latifúndio e da monocultura.


 “usina

mói a cana

o caldo e o bagaço

usina

mói o braço

a carne o osso

 

Mas esta poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a sua força de transgressão – continua revolucionária e perigosa – mesmo quando tematiza (principalmente em Tecidos Sobre A Pele, segunda parte do livro), as frutas, ou prazer sexual, os seios, o carnaval, o mar, e os impulsos eróticos. Por detrás dos elementos bucólicos e paradisíacos (só nas aparências, bem entendido), eis que explode o censurado o reprimido, o que não tem vergonha nem nunca terá:

 

“arando o vale das coxas

com o caule da minha espada

no pomar das tuas pernas

eu plano a língua molhada”

 

Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artísticos. Ofício de artista, experiência de poeta: presença e risco e da violação das normas injustas: carnavalizando, desbundando a troup-sex, infernizando o céu e santificando a boca do inferno, denunciando o rufo dos chicotes, opondo-se aos donos da vida que controlam, o saldo, o lucro e o tesão.

Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados, afixados em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memórias das bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cio, graças ao suor e ao cio:

 

“com um prazer de fera

e um punhal de amante”.

 

Uilcon  Pereira

são paulo, julho, 1985 






 QUASE 

 

O poema brota da sombra da escuridão.

Dessa luz obscura do cotidiano

que nos toca de raspão

feito um vento obsceno.

Que a vida é só um risco

no nosso corpo

diante da imensidão do universo

ou da imensidão da Morte,

maior que a do céu e a do mar.

O poema se escreve sobre o que não se vê.

Não vemos a árvore a nossa frente,

nem a Lua,

nem o corpo assassinado,

nem o amor que beijamos;

vemos o que criamos sobre o real.

Nasce do símbolo e se alimenta dele.

Canibal.

O poema pendura a vida na língua.

Brota do tédio.

Uma espécie de melancolia. De esperança.

Ou quase.

 

O poema é sempre um quase.

 

(Tanussi Cardoso)

Leia mais aqui

https://artecult.com/sextas-poeticas-confira-o-poema-inedito-de-tanussi-cardoso-quase-e-suas-dicas-da-semana/


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https://arturgomesgumes.blogspot.com/


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