trago silêncios bebo som
de palavras esquecidas
réstia de vozes sob o porão
de lembranças submersas
percebo corpos marcados
pela navalha da língua
pela faca afiada
sobre os ombros cansados
o peso das horas
a memória maquiada
quantos mais
precisarão ser sacrificados
para reaver o território?
para resgatar a liberdade?
não pode ser esse
o triste fim da palestina
não pode ser essa
a solução pela chacina
os podres poderes estão ruindo
milhares morrendo
continuam assistindo
o espetáculo de horror
parece ganhar mais audiência
ao invés de provocar consciência
um povo está sendo dizimado
pela violência pela fome
crianças idosos mulheres homens
até quando
será permitida
a carnificina?
DinoValdo Gilioli
Desenho de Valdir Rocha, da série Almáfagos (comedores de almas).
boi-pintadinho
vovó joana
um dia me disse
:
meu filho vá ser poeta na vida
não esqueça de dar nome aos bois
e
não deixe nada pra depois
meta o dedo na ferida
- levanta meu boi-levanta
que é hora de viajar
acorda boi povo/todo
povo e boi tem de lutar
deixe essa manada de lado
pro teu patrão não te matar
Artur
Fulinaíma
O Boi-Pintadinho
ANFAI – 1980/1981
leia mais no blog https://arturkabrunco.blogspot.com/
axioma
para final de século
p/Carlos Careqa & Hélio Letes
a diferença
entre o legume
e o vegetal
VER/dura
mineral
nas minas do quintal
fruto menstrual
no ancestral pomar
das coxas
Artur Gomes
BraziLírica Pereira : A Traição Das Metáforas
Alpharrabio edições - 2000
leia mais no blog
Vampiro
Goytacá
Delírio Verbal e Preito
em BraziLírica Pereira
O livro, altar em que se
celebra poetas do conturbado século XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur
Gomes, situada na interface da praxis artística e da experiência
existencial, advinda do campo das escaramuças lexicais e da experimentação
alegórica.
Erorci Santana*
BraziLírica Pereira: A Traição das
Metáforas (Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda grafada em minúsculas,
principia com dois textos ou, melhor, intertextos com lastro na obra do
escritor Uilcon Pereira, espécie de
homenagem a desvairada letra uilconiana
e à figura daquele escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse
preito literário, Artur o invoca
através de uma circunstância biográfica datada:
“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na sorbonne?/ter aulas com
sartre/ou cantar a simone?”.
Contudo, e apesar da primazia de Uilcon
Pereira nesta festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega em que,
antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e engendrador das
metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e humor se
entrelaçam.
Todo um renque de escritores de
ponta é glosado, parodiado e parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados),
Oswald de Andrade (e seus biscoitos finos, prometido ao palato das massas),
Leminski (e sua Alice), Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto,
Mário Faustino, Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores
referenciais a constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar
da celebração literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor
se utiliza, por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:
“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski profeta/que amou a
lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia diana/juntou na
pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir assombradado/roendo o
osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o anjo via/Sartre jurou já
Ter dito/Nonada/biúte:ria”.
Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas
da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto
álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das
inclinações sacramentais e sombrias.
E essa BraziLírica Pereira
antropofágica e transluzente é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos
afetos, reinventar a cultura e os agentes culturais de sua predileção, com
instrumentos lúdicos e sarcásticos, considerados a ponte para a grande
arte.
Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia
marginal dos anos 70,
“essa poesia de efeito
extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma dicção
bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa
Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas
estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada
da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio
musical.
Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz, ou
cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral.
Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto,
traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra
Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra,
com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no
espírito feminino.
Situada na interface da praxis artística e experiência existencial, o
poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru & Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no
campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um
certo autoflagelamento exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e
despe-se da veste hierática revelando sua outra face insuspeita, sua outra
indumentária profusa e multicolor. Em outras palavras, seu traje de ironia e de
humor.
Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana,
Conceitos para Rancor e Maravilta.
leia
mais no blog
Vampiro
Goytacá
https://arturgomesgumes.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário