O Poeta Enquanto Coisa
Afrodite
para a nova Pimenta do Reino
eu falo eu fauno eu fumo
na espuma dos mares
de Zeus ou Vulcano
nos cornos do americano
na pele clara da gema
nas brumas de Ipanema
ou nas Dunas do Barato
na era Atenas me disse
pra Hera nunca dissemos
em grego a deusa do amor
em romano mamilo de Vênus
também a irmã de Helena
que a um outro rei Prometeu
provocando a ira em Menelau
quando soube que Páris sou Eu
Dioniso das festas de Baco
do vinho dos ritos das juras
Afrodite em mim criatura
Bacante que o cosmo me deu
a puta da ilha de Creta
mulher quando o vinho é na cama
a que sabe beber do que ama
sem pensar no que Cronos secreta
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux – 2020
Disponível para compra no site https://www.editorapenalux.com.br/.../o-poeta-enquanto-coisa
SINOPSE: Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de
2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura
de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em “O poeta enquanto coisa” [...]
Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que
toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das
gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em
contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas
turvas do mundo. [...] Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a
limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a
página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua
alma avultam e nos dedos instauram cutículas. [...] Não apenas o corpo do
homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros.
[...] Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a
pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas) [...] Também por isso,
por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma
erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que
equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a
sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a
dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”.
[...] Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, [...] se
obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca [...]
preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe
gozar, na liturgia de uma poesia que roga.
Trechos do prefácio de Igor Fagundes
pornofônico
confesso
se
este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes espero que não
se zangue se misturar o meu sangue
em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga
deusa da orgia se também tu não me quer
quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro e por fora em pornografia sonora me diga Lady
Senhora nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual
humano ou cibernético que te masturba ou
te deflora
vampiresco
um conto
mínimo 2
o senhor dos
anéis não mostra os dedos
muito menos
o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro
poética 93
Tenho nojo do Agro
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade
quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade
onde a poesia
se espalha
a língua nativa
não é fogo de palha
é brasa viva
indicativo
olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética
se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente
e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente
boca do inferno
por mais que te amar seja
uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra
nós
eu quero mais é o teu pudor
de dama
despetalando em meus lençóis
e se tiver que me matar que
seja
e se eu tiver que te matar que morra
em cada beijo que te der
amando
só vale o gozo quando for
eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do
inferno
musicado e gravado por Luiz Ribeiro no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia -
2002
por entre trilhos e trilhas
por entre tralhas e troços
foto grafando os destroços
dos frutos podres no chão
cacomanga
2
ali nasci
minha infância
era só canaviais
ali mesmo aprendi
conhecer os donos de
fazenda
e odiar os generais.
no poema
o que ficou?
para Cesar Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema
ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada
onde era mel agora é pus
no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o
abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no
decreto
no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse
circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral
analfabeto
pátria
que pariu
para
Rubens Jardim
os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse
país teve passado não tem presente nem tem futuro
peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos
mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!
nem sei em que planeta estamos
hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas
dos 3 filhos
Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega
pendurado entre as pernas esperma já virou porra
nesta pátria que pariu a besta fera
mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema
entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela
fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda
não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de
fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas
dela e salta das metáforas por entre portas e janelas
a barra
o rio é uma passagem
para encarar a barra
de frente
a rede pode prender o peixe
mas não me prende
os dentes
pesadelo ou nem Freud
explica
ontem sonhei com a mulher dos
sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não
estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e
me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem
fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do
outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela
espuma das ondas e o vai e vem me deu um
susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas
mãos quando percebi quem era acordei.
grafitemas e figuralidades
estou escrevendo um mini conto um
grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade
certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois
grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água
à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu
dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim
me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus
cabelos de milho e ela me
perguntou o que era
catando
cacos de cogumelos azuis
procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto
ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de
cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para
são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta
azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os
corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis
com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em
romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já
surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da
procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou
com muito mais volúpia e em um passo de
mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se
lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá
mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane
quase teve um troço ao ver o
utensílio vazio.
cacos de
cogumelos azuis
alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus
neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus sossego a vida aqui vive enrolada em seus
novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não
anda quando dorme é pesadelo
cato caco nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis lâminas de fogo nesse olho d'água algas de pedras nesse tempo ostras antes das
horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno
cato caco de vidros nessa areia
carma e provo o sal o sangue o sexo a
saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras
desencontradas na areia da praia no rabo
da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram
filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus
essas horas que já se perderam nos
currais do pasto de algum gentio pássaros
elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios nos geradores desse Zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
com as
unhas entranhadas
em tuas coxas
escrevo como
quem
cata estrelas do mar na areia da praia
como quem come o rabo da arraia
montado no cavalo marinho
lambendo escamas de sereia
com os dentes cravados na memória
e as unhas entranhadas em tuas veias
na espuma branca de um pergaminho
psic/analítica
não durmo. sonho. Dédala
passeia em minha camasob os meus lençóis de lã toda
palavra sã me despe desejo pelos poros
pelos nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja
carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão
sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar
olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado nem a vista porque não pode se envolver
*
concretude
versus conkrEreções
Delírica
da janela vou olhando o
trilho de ferro
do vagão barato o brasil do globo fica
lá distante em brazilírica
lá no meio do
mato. a carne
bela não viaja aqui
nem mora por perto da estação da luz
aqui tem merda carne de terceira lixo
de primeira pele podre pus
faca
uilcônica mortal
estanco o cavalo do sonho
no teu quartel do princípio
papel cortado na resma
a mula pasta acordada
a besta pulsa assombradada
no visgo quente da
lesma
trincheira
há uma gota de sangue
entre meus olhos e os teus
e muitas velas acesas
pra salvar a nossa carne
e bocas cheias de dentes
mastigando a nossa morte
mas eles é que morrerão
meu amor : num grande
susto
quando nus virem
amando nessa cama
de ferro e de pau duro
poesia para desconcertos
Dédalus
para
Alberto Bresciani
e o seu
magnífico Hidroavião
o poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos não está pra peixe
este
mar secreto
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de naylon degolam tartarugas
que morrem náufragas na
Av. atlântica
o poeta cata os cacos
que restaram desta pátria desossada
dentro da noite veloz
... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o
silêncio da fala a espera de uma outra
palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se
esconde antes da cena acontecer. e se
fôssemos como dois perdidos numa noite
suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que
exploda uma vertigem no dia ?
poética
essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me provoca esse estado
de não sei quantas adrenalinas essa
besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de
soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes
dos trinta e eu aqui pensando a quantas
anda os projetos do meu filho
incorporação
para Igor Fagundes
esse poema bárbaro
com fonema brazilírico
vai fazer meu aramaico
incorporar o seu delírico
palavras que incorporo
dança vento movimento
folhas verdes no algodão
fulinaíma dançarino
sertão moleque esse menino
do frevo xaxado xote blues rasgado baião
Juras secretas
Jura secreta 1
a língua escava entre os dentes
a palavra nova fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
Jura secreta 13
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de
lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se
existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
pele grafia
meus lábios em teus
ouvidos
flechas netuno
cupido
a faca na língua a
língua na faca
a febre em patas de
vaca
as unhas sujas de
Lorca
cebola pré sal com
pimenta
na tua língua com coentro
qualquer paixão re-invento
o corpo mar quando
agita
na preamar
arrebenta
espuma esperma
semeia
sementes letra por
letra
na bruma branca da
areia
sem pensar qualquer
sentido
grafito em teu
corpo despido
poemas na lua cheia
para
may pasquetti
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari
te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
e eu Narciso amante dos espelhos
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
já estão dentro dos meus
Jura secreta 18
agora hóstia entre os meus dentes
Jura
secreta 27
rio em
pele feminina
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as
flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços
do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Jura secreta 29
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
Jura
Secreta 37
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
Jura Secreta 41
Goytacá Boy musicado e cantado por
Naiman
no CD fulinaíma
sax blues poesia
ando por São Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara sonha comer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Jura Secreta 43
veraCidade
por quê trancar as portas
tentar proibir as entradas
se já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta
o poema dá um tapa
na cara da Paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário
João Guimarães Rosa
Caio Prado
Martins Fontes
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na Cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Jura Secreta 53
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da Hygia Ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
O poeta enquanto coisa
obscuro objeto do desejo
de pedra dourada ficaram portas janelas
de entradas e saídas a sedução de dois olhos em
minha carne proibida nem tanto pelo o que
falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo o
labirinto
de pedra dourada ficou um café
orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com
tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha
de pedra dourada ficaram olhos
acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a
maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia
louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer na tua boca
empresto minha voz aos deserdados
os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem
mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha nem bolinho de chuva nem broa de milho nem
carne seca com farinha
espinha de peixe na garganta é o
que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem
fome ou que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de canhão
rajadas de fuzil
estás fudido brasil entregue as traças então me resta exterminar
o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
Federico
Baudelaire
Mestre Sala da Mocidade
Independente de Padre Olivácio - A
Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do
Reino de Zeus
ancestral
há muito tempo não recebo cartas de ninguém
mas não rezo padre nossos
simplesmente para dizer amém
já fui católico rezei terços
ladainhas
acompanhei a procissão dos afogados
na Tapera para soletrar a palavra Cacomanga
e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na minha íris retina
meu batismo de fogo foi numa Santa
Cecília
entre víboras e serpentes mordi a
hóstia do padre
sua saia preta me levou ao pânico de
sonhar com juízes
e hoje saber o que são
minha África são os olhos negros de Madame Satã
na língua tenho uma sede felina na
carne essa fome pagã
sou um homem comum filho de Ogum com
Iansã
língua
minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não
canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba
rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da
garoa
fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na
voracidade da Pessoa
mamãe
coragem
numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra
veracidade medra eu te esfinjo drama
onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama
pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem
a vida é sagaranagem na elegia da hora
fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora
lugar de não sei onde
ancorei os meus cavalos
na boca da areia
as tripas retorcidas no galope
no areal a sinfonia do ontem
um horizonte cinza de um futuro que não chega
peixes flutuando depois da asfixia levo meus assombros
para um lugar de não sei onde
poema 5
para Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco quem sabe
filho de Zeus
jantou numa Santa Ceia na casa de
Prometeus
nas madrugada de Bento lambeu o vinho nos seiosdas Bacantes no convento por todos poros do corpo
por todos pelos e meios
depois grafitou nas vidraças com dedos de diamantes
a Rosa de Hirochima num coração estudante
depois de romper o dia por volta da seis e meia
era um coração de poeta com poesia na veia
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora são dentes famintos
cravados na pele da memória
escorre - nus
teus seios
espumas que jorrei
em tua boca
ainda existe algo
entre as costas
e as coxas
algas - água
o sal da minha língua
que lambeu a tua ostra
nessas estatísticas de mortes
dessa drástica pandemia
multipliquem 60.000 X
10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que transformaram esse país
que nunca foi uma nação
Poema 13
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina o catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
com os dentes
cravados na memória
para Flora
Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros
I
por todos anos 80 ipanema 83 flora
recém nascida
e eu chegando aos 40 gomes
carneiro visconde de pirajá
bem próximo ao carinhoso bartolo com
seu trumpete depois que a noite dormia tocava uma pérola negra e beijava o novo dia
no boteco de onde estava conselheiro
lafaiete
refúgio da boemia me acordou com seu
trumpete
clarividência aflorava sonoridade
– melodia
logo depois era Drummond na praça
general osório
pra enriquecer meu repertório na pedra da poesia
II
ipanema 84 filipe recém nascido
por esses tempos vividos
naquela aldeia carioca
com todo vapor barato
na tribo os sete sentidos
nesses dentes da memória
os 5 presentes no corpo
outros 2 ganhos no tapa
pelas ruas de ipanema
ou pelos becos da lapa
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor
de cactos
como se fosse flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor
de lótus
sagrada flor dos meus delírios
para Tchello
d´Barros
onde engendro a Sagarana
invento a
Sagaranagem
entre a vertigem e a voragem
na palavra de origem
entre a língua e a miragem
São Bernardo
e Diadema
mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema
Goytacá
Boy 2
araraquara guaxindiba itaocara grumari
o que liga essas palavras ao
eu vocabulário
a carne índia o sangue a cachaça paraty
grussaí guarapary baia da guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba
piracicaba pirapora piraí paranapiacaba
vim da tapera carioca do roçado do aipim
cacomanga minha toca
meu coração ururaí
tupinambá goytacá tupiniquim
quanta selva quanta
mata desmatada
desde o dia que o português pisou aqui
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucun de carne e osso a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi não foi a língua que
ouvi
em sua boca caiçara
gargaú guriri itapevi abapuru
minha musa antropofágica tem o nome de
pagu
tarcila anita d´alkmim itaim
guarujá piratininga itapetinga itaquera
quantas palavras ensanguentadas nas
taperas
santeiro do mangue minha pátria meu
tesouro
100 anos se passaram como vento
e são paulo transformou-se
nessa
selva de concreto uma cidade de cimento
texto para orelha
Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele
estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois
extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas
guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo
seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo
audiovisual.
Escreve e recita com grande
expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que
berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética.
Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade
necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que
transborda naturalmente, permanece e se reproduz.
Lau Siqueira
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