sexta-feira, 31 de maio de 2024

O poeta enquanto coisa


O Poeta Enquanto Coisa

 

Afrodite

 

para a nova Pimenta do Reino

eu falo eu fauno eu fumo

na espuma dos mares

de Zeus ou Vulcano

nos cornos do americano

na pele clara da gema

nas brumas de Ipanema

ou nas Dunas do Barato

na era Atenas me disse

pra Hera nunca dissemos

em grego a deusa do amor

em romano mamilo de Vênus

também a irmã de Helena

que a um outro rei Prometeu

provocando a ira em Menelau

quando soube que Páris sou Eu

Dioniso das festas de Baco

do vinho dos ritos das juras

Afrodite em mim criatura

Bacante que o cosmo me deu

a puta da ilha de Creta

mulher quando o vinho é na cama

a que sabe beber do que ama

sem pensar no que Cronos secreta

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020


Disponível para compra no site https://www.editorapenalux.com.br/.../o-poeta-enquanto-coisa

SINOPSE: Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em “O poeta enquanto coisa” [...] Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas turvas do mundo. [...] Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas. [...] Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. [...] Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas) [...] Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”. [...] Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, [...] se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca [...] preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga.

Trechos do prefácio de Igor Fagundes


pornofônico confesso


se este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes  espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro e por fora em  pornografia sonora  me diga Lady Senhora nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora


vampiresco

um conto mínimo 2

 

o senhor dos anéis não mostra os dedos

muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro


poética 93

  

Tenho nojo do Agro 
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade

quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade

 

  

onde a poesia
se espalha 

a língua nativa

não é fogo de palha 
               é brasa viva


indicativo

olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética

se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente

e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente

 


boca do inferno

 

por mais que te amar seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter perdão pra nós

eu quero mais é o teu pudor de dama

despetalando em meus lençóis

 

e se tiver que me matar que seja

e se eu tiver que te matar que morra

em cada beijo que te der amando

só vale o gozo quando for eterno

infernizando os céus

e santificando a boca do inferno

 

musicado e gravado por Luiz Ribeiro no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002

 

 

por entre trilhos e trilhas

por entre tralhas e troços

foto grafando os destroços

dos frutos podres no chão

 

       cacomanga 2

 

ali nasci

minha infância

era só canaviais

ali mesmo aprendi

 conhecer os donos de fazenda

e  odiar os generais.


no poema o que ficou?

para Cesar Augusto de Carvalho

 

no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues

no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é  pus

no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto

no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto

no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado 

pátria que pariu

para Rubens Jardim

 

os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem tem futuro

peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!

nem sei em que planeta estamos  hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos

Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega

pendurado entre as pernas  esperma já virou porra

                               nesta pátria que pariu a besta fera 


mulher dos sonhos        

 

ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas


a barra

 

o rio é uma passagem

para encarar a barra

                       de frente

 

a rede pode prender o peixe

mas não me prende

                       os dentes


pesadelo  ou  nem Freud explica

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.



grafitemas e figuralidades

 

estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de                 milho e ela me perguntou o que era


catando cacos de cogumelos azuis

 

procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um  passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane quase teve um             troço ao ver o utensílio vazio.

 

cacos de cogumelos azuis

 

alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus  sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo


 cato caco nos azuis

 

cato cacos de vidros  nos azuis        lâminas  de fogo nesse olho d'água  algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno

cato caco de vidros nessa areia carma  e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus

essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio  pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios  nos geradores desse  Zeus me livre onde          netuno não aporta mais  os      seus navios


com as unhas entranhadas em tuas coxas

 

                                 escrevo como quem

cata estrelas do mar na areia da praia

como quem come o rabo da arraia

                  montado no cavalo marinho

 

lambendo escamas de sereia

com os dentes cravados na memória

e as unhas entranhadas em tuas veias

na espuma branca de um pergaminho 


 

psic/analítica

 

não durmo. sonho.  Dédala passeia em minha camasob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos  nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus  para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito      dadaísta nem fiado nem a vista porque  não pode se envolver


                   *                   

concretude versus conkrEreções


Delírica

 

da janela  vou olhando o trilho de ferro

do vagão barato o brasil do globo   fica

lá distante em brazilírica   lá no meio do

mato.           a carne bela não viaja aqui

nem mora por perto da estação da  luz

aqui tem merda carne de terceira   lixo

de primeira   pele        podre             pus 



faca uilcônica mortal

 

estanco o cavalo do sonho

no teu quartel do princípio

papel cortado na resma

 

a mula pasta acordada

a besta pulsa assombradada

    no visgo quente da lesma

 

 trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos e os teus

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

mastigando a nossa morte

 

mas eles é que  morrerão

meu amor : num grande susto

        quando nus virem

amando nessa cama

         de ferro e de pau duro

  

poesia para desconcertos 



Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião

o poeta pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento

há séculos não está pra peixe

                       este mar secreto

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

linhas de naylon degolam tartarugas

que morrem náufragas  na Av. atlântica

o poeta cata os cacos

que restaram desta pátria desossada


dentro da noite veloz

 

... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma  outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer.  e se fôssemos como  dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no  dia ?


poética

 

essa espessa nuvem de fumaça arregaça  meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta  e eu aqui pensando a quantas anda os  projetos do meu filho

 


incorporação

para Igor Fagundes

 

esse poema bárbaro

com fonema brazilírico

vai fazer meu aramaico

incorporar o seu delírico

 

palavras que incorporo

dança vento movimento

folhas verdes no algodão

 

fulinaíma dançarino

sertão moleque esse menino

do frevo xaxado xote blues rasgado baião


*

 

Juras secretas

                                                           

 

 

                                                                           

 

 

Jura secreta 1 

a língua escava entre os dentes 
a palavra nova  fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 

                           outras vezes muito cínica 
tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem
 

 

Jura secreta 13 

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 

 

                    pele grafia

 

meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

                    na tua língua com coentro

                    qualquer paixão re-invento


o corpo mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia


 

Jura secreta 16

 para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

te anteviram 

no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 

 

  

Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
 somente a lua te espelha
 nesta lagoa vermelha
 porto alegre caís do porto
                                       barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio 
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias       
sobre os teus pelos ficção

 

todos os laços dos tecidos
 aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa

 agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa



Jura secreta 27

 rio em pele feminina 

o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa 

a boca em quantos minutos 

   as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 

você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 
o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 
que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
      pedaços do corpo do rio
  

meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio 

se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 
o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 

meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 
lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 
onde coloca seus versos 
me encontro peixe e mais nada

 

Jura secreta 29

 esfinge 


o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 


é que na sombra da tatuagem 

sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 

  

Jura Secreta 37


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 
de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho  

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 

fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 
perfume o odor final do melodrama 
sobras de mim papel e resma 

impressão letal dos meus dedos imprensados 
misto uma merda amais que tua garra 
panela estrada grão socorro: 
a poesia é o fausto de uma farra 

 

 

Jura Secreta 41

 Goytacá Boy  musicado e cantado por Naiman 
no CD fulinaíma sax blues poesia 

ando por São Paulo meio Araraquara 
a pele índia do meu corpo 
concha de sangue em tua veia 
sangrada ao sol na carne clara 
juntei meu goytacá teu guarani 
tupy or not tupy 
não foi a língua que ouvi  em tua boca caiçara 

para falar para lamber para lembrar 
da sua língua arco íris litoral  como colar de uiara 
é que eu choro como a chuva curuminha 
mineral da mais profunda  lágrima que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 
na sua pele urucum de carne e osso 
a minha língua tara  sonha comer do teu almoço 
e ainda como um doido curuminha 
a lamber o chão que restou da Guanabara 


Jura Secreta 43

   veraCidade 

por quê trancar as portas 

tentar proibir as entradas 

se já habito os teus cinco sentidos

 e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço

  algumas letras de um alfabeto grego

  signo de comunicação indecifrável 

eu tenho fome de terra 

e esse asfalto sob a sola dos meus pés  agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta

  o poema dá um tapa 

na cara da Paulista  

flutuar na zona do perigo

  entre o real e o imaginário 

João Guimarães Rosa 

 Caio Prado

 Martins Fontes  

um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire

 nem mofo de língua morta 

o correto deixei na Cacomanga

  matagal onde nasci

  com os seus dentes de concreto  

São Paulo é quem me devora 

e selvagem devolvo a dentada  

na carne da rua Aurora 

 

 


Jura Secreta 53

sagaraNAgens fulinaímicas 

guima  meu mestre  guima 
em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 

ave palavra profana 
cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia
  teu grande Sertão vou cumer 

nem João Cabral Severino  
nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia  
me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 

 a ferramenta que afino
  roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser 


Jura secreta 57

meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece


O poeta enquanto coisa 


obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo  o labirinto

 

de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha

 

de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer na tua boca

  


tragédia infame

 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha  nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha

espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz  a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil

estás fudido  brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça

                                             

 Federico Baudelaire

Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio  - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus 

 

                                  ancestral

 

há muito tempo não recebo  cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém

 

já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados

na Tapera  para soletrar a palavra Cacomanga

e entender que o barro da cerâmica

trago grudado na minha íris retina

 

meu batismo de fogo foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico de sonhar com  juízes

e hoje saber o que são

 

minha África  são os olhos negros de Madame Satã

na língua tenho uma sede felina na carne essa  fome pagã

sou um homem comum filho de Ogum com Iansã


 

língua

 

minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa

fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa

 

mamãe coragem

 

numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama

 

onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama

 

pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem
a vida é sagaranagem na elegia da hora  fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora


o homem com a flor na boca                                         

lugar de não sei onde

 

ancorei os meus cavalos

na boca da areia

as tripas retorcidas no galope

 

no areal a sinfonia do ontem

um horizonte cinza de um futuro que não chega

 

peixes flutuando depois da asfixia  levo meus assombros

para um lugar de não sei onde 



poema 5

  para Jorge Ventura

 

a faca não cala do poema a fala

Dionísio Neto de Bacco quem sabe filho de Zeus

jantou numa Santa Ceia na casa de Prometeus

 nas madrugada de Bento lambeu o vinho nos seiosdas Bacantes no convento por todos poros do corpo

por todos pelos  e meios

 depois grafitou nas vidraças  com dedos de diamantes

a Rosa de Hirochima  num coração estudante

 depois de romper o dia  por volta da seis e meia

era um coração de poeta com poesia na veia

 

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora são dentes  famintos

cravados na pele da memória 


 

escorre - nus

teus seios

espumas que jorrei

em tua boca

 

ainda existe algo

entre  as costas

e as coxas  

algas - água

o sal da minha língua

que lambeu a tua ostra


tem algo errado

nessas estatísticas de mortes

dessa drástica pandemia

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que transformaram esse país

que nunca foi  uma nação


 

Poema 13

 

arranco mais uma pérola

do ventre de hilda triste

na porta da tua casa

meu poema ainda insiste

 

a menina que matou o tempo

o vento também comia

na lâmina o catavento

pra espantar a maresia

 

nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

bateu uma pedra no rock

e nos levou na ventania



poema 17

com os dentes cravados na memória

para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros

 

I

 

por todos anos 80 ipanema 83 flora recém nascida

e eu chegando aos 40  gomes carneiro  visconde de pirajá

bem próximo ao carinhoso bartolo com seu trumpete depois que a noite dormia tocava  uma pérola negra e beijava o novo dia

 

no boteco de onde estava conselheiro lafaiete

refúgio da boemia me acordou com seu trumpete

clarividência aflorava  sonoridade – melodia

logo depois era Drummond na praça general osório

pra enriquecer meu repertório     na pedra da poesia

 

  

II

 

ipanema 84 filipe recém nascido

por esses tempos vividos

naquela  aldeia carioca 

com todo vapor barato 

 

na tribo os sete sentidos

nesses dentes da memória

os 5 presentes no corpo

outros 2 ganhos no tapa

   pelas ruas de ipanema

   ou pelos becos da lapa

 

  

poema 21

 

nos meus delírios baudeléricos

ou mesmo fossem baudelíricos

  sonho teu corpo flor de cactos

       como se fosse  flor de lírios

 

toco teus pelos flor do mangue

pulsando sangue em teus martírios

     penso teu sexo flor de lótus

sagrada flor dos meus delírios




 olho de lince

para Tchello d´Barros

onde engendro a Sagarana
invento a Sagaranagem

entre a vertigem e a voragem

na palavra de origem

entre a língua e a miragem

São Bernardo e Diadema


mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema


Goytacá Boy 2

 

araraquara guaxindiba itaocara grumari

o que liga essas palavras ao  eu vocabulário

a carne índia o sangue a cachaça paraty

grussaí guarapary baia da guanabara

 

juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara

 

capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba

piracicaba pirapora piraí paranapiacaba 

vim da tapera carioca do roçado do aipim

cacomanga minha toca  meu coração ururaí

tupinambá goytacá tupiniquim

quanta selva quanta  mata desmatada

desde o dia que o português pisou aqui 

 

para falar para lamber para lembrar

da sua língua arco íris litoral como colar de uiara

é que eu choro como a chuva curuminha

mineral da mais profunda lágrima  que mãe chorara

 

para roçar para provar para tocar

na sua pele urucun de carne e osso a minha língua tara

sonha cumer do teu almoço e ainda como um doido curuminha

a lamber o chão que restou da Guanabara

  

juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi não foi a língua que ouvi

em sua boca caiçara

gargaú guriri itapevi abapuru

minha musa antropofágica tem o nome de pagu

tarcila anita d´alkmim itaim

guarujá piratininga itapetinga itaquera

quantas palavras ensanguentadas nas taperas

 

santeiro do mangue minha pátria meu tesouro

100 anos se passaram como vento

e são paulo transformou-se

nessa  selva de concreto uma cidade de cimento 


texto para orelha

 

Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo audiovisual.

 

Escreve e recita com grande expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética. Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que transborda naturalmente, permanece e se reproduz.

 

Lau Siqueira

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