II Festival Cine Vídeo Poesia
Kino3 – Fulinaima MultiProjetos
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“ECONOMIZE-ME”
(Um videopoema de Tchello d’Barros)
veja na página
SINOPSE
Um indivíduo imerso na natureza vocifera versos contrapondo a selvageria do capitalismo em contraponto à vida de vítimas da sanha opressiva em nosso vulnerabilizado tecido social.
Acontece que não vai fazer a menor diferença
A depreciação do câmbio pelo superávit primário
Nem a fuga de dólares com o boom das commodities
Ou o investimento flutuante em derivativos de debêntures
Para a catadora de sururu no mangue lamacento
que amamenta sua criança quando baixa a maré
REALIZAÇÃO
"Economize-me" foi realizado c/ Produção e Cinegrafia da Fluxo Filmes, Pós-produção de Leonardo Soares e Mosaico, Edição de André de Belém e Milton de Oliveira, com Texto, Atuação e Direção de Tchello d'Barros.
FICHA TÉCNICA
Gênero: Videopoema
Categoria: Livre
Cor: Em Cores
Duração: 03:50 Min
Extensão:.MP4
Arquivo: 60 MB
Formato: 1920 X 1080
Ano: 2021
País: Brasil (Rio de Janeiro - RJ e Belém - PA)
Realização: Fluxo Filmes
veja na página Studio Fulinaíma Produção Audiovisual
https://www.facebook.com/studiofulinaima/
Clara Baccarin
Esse é
daqueles filmes que dá vontade de morar.
Vivendo o dia com Hirayama, o que de imediato
pensei foi: mais do que Perfec Days, que great life!
É a vida simples de um homem solitário que limpa
banheiros públicos em Tóquio – meu racional lembra de julgar e resumir. Mas na
verdade quase não consigo deixar esse julgamento entrar, o filme é de sentir, e
sinto: what a great life!
O que faz a vida ser ótima?
Não existe nenhuma vida tão bem resolvida, com
dias serenos e carmas levíssimos... Todas as existências nesse Kali Yuga são
malucas – bem me lembro uma amiga esses dias.
Mas é possível bancar o próprio mundo com beleza,
dentro do seu mundo de escolhas – parece nos lembrar Harayama. Abrindo a porta
da humilde casa antes da aurora, pegando um café enlatado na máquina de
bebidas, escolhendo uma fita cassete entre clássicos dos anos 1970, House Of
The Sun abrindo a vida, entre outros hinos.
E seus dias não são todos iguais, nem os
movimentos do seu sentir. Um humano com algumas décadas de existência, talvez
algumas vidas já vividas nessa mesma vida, um humano abalável aos reencontros
difíceis, sentindo as decepções, tristezas, cansaços, estresses. Mas com uma
irredutível habilidade de encantamento (e de amar, a si, a vida em si).
O encantamento, a gratidão, a delicadeza nas
pequenas coisas – uma imagem que me chamou atenção foi a oferta de um copo de
água com cubos de gelo na mesa do bar – essa grande felicidade sem custos. As
magias nos encontros, que às vezes são olhares e trocas singelas.
Uma existência feita de trabalho dedicado, olhar
atento, presença íntegra nos dias belamente cotidianos.
Perfect Days talvez seja um filme sobre escolhas
conscientes. Saber de si, saber de seus passos, de sua vida aquém das opiniões
do mundo (essas nem se fazem existir). Saber, inclusive, que às vezes os
mundos, mesmo muito próximos, se desconectam. Saber da vida que escolheu pra si
e estar confortável nela. Estar em si tranquilo, amoroso, aberto à leitura, à
música, à fotografia...à escuta, ao olhar. Satisfeito no coração – esse
analógico coração, em um tempo tão presente que os mundos online não comportam.
O que faz os dias perfeitos e uma vida maravilhosa
talvez seja apenas e tão somente... uma pessoa incrível.
*
porque hj drummond tem me ecoado alguns desses versos em vários pensamentos, compartilho esse velho consolo:
Vamos, não chores
A infância está perdida
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu
O primeiro amor passou
O segundo amor passou
O terceiro amor passou
Mas o coração continua
Perdeste o melhor amigo
Não tentaste qualquer viagem
Não possuis carro, navio, terra
Mas tens um cão
Algumas palavras duras
Em voz mansa, te golpearam
Nunca, nunca cicatrizam
Mas e o humor?
A injustiça não se resolve
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido
Mas virão outros
Tudo somado
Devias precipitar-te, de vez, nas
águas
Estás nu na areia, no vento
Dorme, meu filho
Recebi o meu exemplar. Artur Fulinaíma amigo de longas datas. Poesia livre, corajosa, que não deseja estar sempre num mesmo formato. Só os poetas com as ousadias atrevidas de um Artur Gomes conseguem criar novas espacialidades, novas fonéticas, novos desafios de leituras e de interpretação.
Salomão Sousa –
Sobre Pátria A(r)mada
Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz
onde se deu primeira missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus
oh! myBrazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu
foi logo gritando:
terra à vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista.
por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria
–
Imagem: Felipe Stefani
PÁTRIA A(R)MADA
Ademir Assunção
1
Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.
Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo.
Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.
*
Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.
Fome é tema de ensaio fotográfico
com ossos à venda em bandejas
come osso menina come osso menino
não há mais metafísica no mundo
do que comer osso
no açougue ou no mercado
osso de graça já foi dado
hoje é vendido hoje é comprado
come osso maria come osso mané
come osso joão com arroz e feijão quebrado
porque nesse país sem nome temos que comer osso
para matar a nossa fome
*
já podeis
da pátria, filho
ver demente
a mãe gentil
já raiou a liberdade
em cada cano de fuzil
salve lindo
fuzil que balança
entre as pernas
a(r)madas da paz
a gripezinha
era a certeza esperança
de um genocida
imbecil incapaz
A
vida
sempre em suspense
alegria prova dos nove
fanatismo nã0 me convence
muito menos me comove
para Fernando Aguiar
Aqui redes em pânico
pescam esqueletos no mar
esquadras descobrimento
espinhas de peixe convento
cabrálias esperas relento
escamas secas no prato
e um cheiro podre no AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
é surreal a nossa realidade
tubarões famintos devoram cadáveres
em nossa sala de jantar
como levar o barco
em meio a essa tempestade
navegar é preciso
mas está dificilíssimo navegar
Deus não joga dados
mas a gente lança
sem nem mesmo saber
se alcança
o número que se quer
mas como me disse mallarmè
:
- vida não é lance de dedos
A vida é lança de dardos
Deus não arde no fogo
mas eu ardo
poema a(r)mado
todo os dias
capino a esperança
escavando outras palavras
no chão desse quintal
e quando escrevo com enxada
o poema é mais real
cacomanga
na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais
*
quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá sossego
Federika Lispector
*
testamento
a tesoura rasga o tecido da carne
enquanto sangra
no processo cirúrgico do poema
corta de cada palavra a sílaba
que não presta
de cada frase a palavra
de cada sílaba a letra morfa
e o poeta vai vivendo no que resta
ela era Bruna
em noite de blues rasgado
soltou a voz feito Joplin
num canto desesperado
por ser primeiro de abril
aquele dia marcado
a voz rasgou a garganta
da santa loucura santa
com tanta força no canto
que até hoje me lembro
daquela musa na sala
com tua boca do inferno
beijando meus dentes na fala
No universo paralelo
Tenho mestrado Bíblico
Em chá de cogumelo
Federico Baudelaire
Pássaros Elétricos
Vivem a vida por um fio
Federika Bezerra
Dê livros
Dê Beijos
Dê Lírios
Gigi Mocidade
pan(demônica)
passeio os pés descalços sobre covas rasas
contando ossos no poema exposto
no sujeito do objeto
tudo isso exposto nesse papo reto
segue o passo norte
não leio cartas de suicídio
nem decreto de hospício
na tentação que me conforte
quero matar o genocídio
pra não morrer antes da morte
*
terra de santa cruz
I
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
II
salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes
III
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
IV
meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram
no Ipiranga
às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
V
só desfraldando
a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu
1º de Abril
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta
VI
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl
minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
VII
o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná
VIII
o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank
IX
ó baby a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema
BraZílica Pereira
neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha
não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta sopa de farelos
PESSOA
não tenho pretensões
de ser moderno
nem escrevo poesia
pensando em ser eterno.
veja na minha língua
as labaredas do inferno
e só use o meu poema
com a força de quem xinga.
GENITAL
pasto no cosmo a soja secular de Jardinópolis
onde os discos-voadores sobrevoam meu nariz
na cara das metrópoles.
no centro ao sul os cemitérios
possuem mais mistérios
que a nossa vã filosofia.
tem um animal de vagina espacial
na poesia & e um grande pênis roxo
milenar feito espiral em círculo
preparando imenso orgasmo
pra festejar o fim do século.
TROPICALIRISMO
GIRAssóis pousando
Nu – teu corpo: festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana no teu fogo farto
lambuzando a uva de saliva doce.
LENÇÓIS DE RENDA
LENÇÓIS DE RENDA
poderia abrir teu corpo com os meus dentes
rasgar panos e sedas
com as unhas arreganhar as tuas fendas
desatar todos os nós
da tua cama arrancar os cobertores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobre humana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e fruto
como quem dá de comer aos animais
ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS
O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?
O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?
O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.
ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de poeta delirante nesta noite cada vez mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?
LUNÁTICA
um gato noturno atira pedras nas estrelas
palavras e mais palavras na carne da princesa.
onde o papel não bate onde o pincel não toca.
o gato noturno lambe a barriga
bem perto da virilha e trepa
no muro mais próximo
tentando alcançar o outro lado da lua
em seu instante letal
de desespero e solidão.
FROYDIANA
azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
Dracena – é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas apodrecem nos teus dentes
com um cheiro de leite ardente esguichando na distância.
pátria a(r)mada
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando o seu destino
e só me queira encapetado
profanando aqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os seus meninos
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em sua cama sol à pino
e só me queira desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
alguma poesia
não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrissando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.
Suor & Cio
*
Indigesta
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz
onde se deu 1ª missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus
oh! My Brazyl ainda em alto mar
Cabral quando te viu foi logo gritando:
- Terra à Vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista
por aqui nem só beleza nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza país de tanta miséria
Tecidos sobre a Terra
Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida entre aberto em teus ofícios é que meu peito de poeta sangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se espalha amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente fértil nos teus seios como um rio o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por fidelidade ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e um punhal diamante minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança plantada em ti como canavial que a foice corta mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta
MOENDA
Usina mói a cana
o caldo e o bagaço
Usina mói o braço
a carne o osso
Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o saldo e o lucro
o preço atual
proíbes que me comas
mas pra ti estou de graça
pra ti não tenho preço
sou eu quem me ofereço
a ti: músculo e osso
leva-me à boca
e completa o teu almoço
BraziLíricaPereira :
A Traição das Metáforas
*
1968
ou
: a investigação
uilcorneana
quem és tu Uilcon Pereira
que foste fazer na Sorbonne?
ter aulas com Sartre
ou cantar a Simone?
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim.
E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca.
poema 1
entre a pele e a flor no asco com meia sola no sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor e o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba sendo
poema 2
debaixo da sacada a escada torta pássaro sem teto acima do delírio coração de porco crava no oco da noite a faca cega, punhal de cinco estrelas na constelação do cão maior por onde Úrsula nua passeia Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá no coração do pintor sem fronteiras acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá Malásia não é aqui Espanha não além mar Salvador não é Dali a mulher que eu quero mesmo é uma Dedé que não Dadá Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá constelação ursa maior pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor quando quero quero mesmo espuma nylon pele tecido isopor.
poundianna
Torquato era uma poeta que amou a Ana Leminski profeta Que amou Alice um dia pós veio Uilcon torto pegou a Jóia di Ana juntou na PereirAlice com o corpo de alma das duas foi Bouvoir Assombradado pra lá de França ou Bahia roendo o osso do mito pois tudo que Sartre dizia o Anjo jurou já ter dito
Nonada
:
- Biúte ria
poema seis
estando quase
sempre e mesmo
estando
esteja breve
assim
como uma letra
escrita a lápis
numa estrela
aquarela rabiscada a giz
estando por um raio
esteja por um triz
pornofônico confesso
se este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro e por fora em pornografia sonora me diga Lady Senhora nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora
vampiresco
um conto mínimo 2
o senhor dos anéis não mostra os dedos muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro
poética 93
Tenho nojo do Agro
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade
quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade
onde a poesia
se espalha
a língua nativa
não é fogo de palha
é brasa viva
indicativo
olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética
se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente
e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente
boca do inferno
por mais que te amar seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra nós
eu quero mais é o teu pudor de dama
despetalando em meus lençóis
e se tiver que me matar que seja
e se eu tiver que te matar que morra
em cada beijo que te der amando
só vale o gozo quando for eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do inferno
musicado e gravado por Luiz Ribeiro no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002
cacomanga 2
por entre trilhos e trilhas
por entre tralhas e troços
foto grafando os destroços
dos frutos podres no chão
ali nasci
minha infância
era só canaviais
ali mesmo aprendi
conhecer os donos de fazenda
e odiar os generais.
no poema o que ficou?
para Cesar Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é pus
no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto
no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto
no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra tanta cruz.
pátria que pariu
para Rubens Jardim
os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem futuro
peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!
nem sei em que planeta estamos hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos
Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas esperma já virou porra
nesta pátria que pariu a besta fera
mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas
a barra
o rio é uma passagem
para encarar a barra
de frente
a rede pode prender o peixe
mas não me prende
os dentes
pesadelo ou nem Freud explica
ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.
grafitemas e figuralidades
estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou o que era
catando cacos de cogumelos azuis
procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane quase teve um troço ao ver o utensílio vazio.
cacos de cogumelos azuis
alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo
cato caco nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis lâminas de fogo nesse olho d'água algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno
cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus
essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios nos geradores desse Zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
entranhadas em tuas coxas
escrevo como quem
cata estrelas do mar na areia da praia
como quem come o rabo da arraia
montado no cavalo marinho
lambendo escamas de sereia
com os dentes cravados na memória
e as unhas entranhadas em tuas veias
na espuma branca de um pergaminho
não durmo. sonho. Dédala passeia em minha camasob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado nem a vista porque não pode se envolver
concretude versus conkrEreções
*
Delírica
da janela vou olhando o trilho de ferro
do vagão barato o brasil do globo fica
lá distante em brazilírica lá no meio do
mato. a carne bela não viaja aqui
nem mora por perto da estação da luz
aqui tem merda carne de terceira lixo
de primeira pele podre pus
faca uilcônica mortal
estanco o cavalo do sonho
no teu quartel do princípio
papel cortado na resma
a mula pasta acordada
a besta pulsa assombradada
no visgo quente da lesma
trincheira
há uma gota de sangue
entre meus olhos e os teus
e muitas velas acesas
pra salvar a nossa carne
e bocas cheias de dentes
mastigando a nossa morte
mas eles é que morrerão
meu amor : num grande susto
quando nus virem
amando nessa cama
de ferro e de pau duro
poesia para desconcertos
Dédalus
para Alberto Bresciani
e o seu magnífico Hidroavião
o poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos não está pra peixe
este mar secreto
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de naylon degolam tartarugas
que morrem náufragas na Av. atlântica
o poeta cata os cacos
que restaram desta pátria desossada
dentro da noite veloz
... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer. e se fôssemos como dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no dia ?
poética
essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me provoca esse estado de não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta e eu aqui pensando a quantas anda os projetos do meu filho
incorporação
para Igor Fagundes
esse poema bárbaro
com fonema brazilírico
vai fazer meu aramaico
incorporar o seu delírico
palavras que incorporo
dança vento movimento
folhas verdes no algodão
fulinaíma dançarino
sertão moleque esse menino
do frevo xaxado xote blues
Juras secretas
*
a língua escava entre os dentes
a palavra nova fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
Jura secreta 13
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
na tua língua com coentro
qualquer paixão re-invento
o corpo mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
para may pasquetti
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari
te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
e eu Narciso amante dos espelhos
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
já estão dentro dos meus
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
rio em pele feminina
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Jura secreta 29
esfinge
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
Jura Secreta 37
baby cadelinha
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cavalo máquina meu coração quando engatilho
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os demônios de Eros
onde minto mais porque não veros
fisto uma festa mais que tua vera
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ?
perfume o odor final do melodrama
sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados
misto uma merda amais que tua garra
panela estrada grão socorro:
a poesia é o fausto de uma farra
Jura Secreta 41
Goytacá Boy musicado e cantado por Naiman
no CD fulinaíma sax blues poesia
ando por São Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara sonha comer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Jura Secreta 43
veraCidade
por quê trancar as portas tentar proibir as entradas se já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço algumas letras de um alfabeto grego signo de comunicação indecifrável eu tenho fome de terra e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta o poema dá um tapa na cara da Paulista flutuar na zona do perigo entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa Caio Prado Martins Fontes um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta o correto deixei na Cacomanga matagal onde nasci com os seus dentes de concreto São Paulo é quem me devora e selvagem devolvo a dentada na carne da rua Aurora
Jura Secreta 53
sagaraNAgens fulinaímicas
guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da Hygia Ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana cabala que vos fazia
veredas em mais Sagaranas
a Morte em Vidas/Severinas
tal qual antropofagia teu grande Sertão vou cumer
nem João Cabral Severino nem Virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino roubei do mestre Drummundo
que o diabo GiraMundo
é o Narciso do meu Ser
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
O poeta enquanto coisa
*
obscuro objeto do desejo
de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo o labirinto
de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha
de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer na tua boca
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha
espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem fome ou que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil
estás fudido brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
Federico Baudelaire
Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus
ancestral
há muito tempo não recebo cartas de ninguém
mas não rezo padre nossos
simplesmente para dizer amém
já fui católico rezei terços ladainhas
acompanhei a procissão dos afogados
na Tapera para soletrar a palavra Cacomanga
e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na minha íris retina
meu batismo de fogo foi numa Santa Cecília
entre víboras e serpentes mordi a hóstia do padre
sua saia preta me levou ao pânico de sonhar com juízes
e hoje saber o que são
minha África são os olhos negros de Madame Satã
na língua tenho uma sede felina na carne essa fome pagã
sou um homem comum filho de Ogum com Iansã
língua
minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa
fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa
mamãe coragem
numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora
o homem com a flor na bo
*
lugar de não sei onde
ancorei os meus cavalos
na boca da areia
as tripas retorcidas no galope
no areal a sinfonia do ontem
um horizonte cinza de um futuro que não chega
peixes flutuando depois da asfixia levo meus assombros
para um lugar de não sei onde
poema 5
para Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco quem sabe filho de Zeus jantou numa Santa Ceia na casa de Prometeus nas madrugada de Bento lambeu o vinho nos seios das Bacantes no convento por todos poros do corpo por todos pelos e meios depois grafitou nas vidraças com dedos de diamantes a Rosa de Hirochima num coração estudante depois de romper o dia por volta da seis e meia era um coração de poeta com poesia na veia
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora são dentes famintos
cravados na pele da memória
tem algo errado
nessas estatísticas de mortes
dessa drástica pandemia
multipliquem 60.000 X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que transformaram esse país
que nunca foi uma nação
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina o catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
poema 17
com os dentes cravados na memória
para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros
I
por todos anos 80 ipanema 83 flora recém nascida e eu chegando aos 40 gomes carneiro visconde de pirajá bem próximo ao carinhoso bartolo com seu trumpete depois que a noite dormia tocava uma pérola negra e beijava o novo dia no boteco de onde estava conselheiro lafaiete refúgio da boemia me acordou com seu trumpete clarividência aflorava sonoridade – melodia logo depois era Drummond na praça general osório pra enriquecer meu repertório na pedra da poesia
II
ipanema 84 filipe recém nascido
por esses tempos vividos
naquela aldeia carioca
com todo vapor barato
na tribo os sete sentidos
nesses dentes da memória
os 5 presentes no corpo
outros 2 ganhos no tapa
pelas ruas de ipanema
ou pelos becos da lapa
poema 21
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor de cactos
como se fosse flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor de lótus
sagrada flor dos meus delírios
resumo
ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me folhas de papel em branco.
Goytacá Boy 2
araraquara guaxindiba itaocara grumari
o que liga essas palavras ao eu vocabulário
a carne índia o sangue a cachaça paraty
grussaí guarapary baia da guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba piracicaba pirapora piraí paranapiacaba vim da tapera carioca do roçado do aipim cacomanga minha toca meu coração ururaí tupinambá goytacá tupiniquim quanta selva quanta mata desmatada desde o dia que o português pisou aqui
para falar para lamber para lembrar da sua língua arco íris litoral como colar de uiara é que eu choro como a chuva curuminha mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar na sua pele urucun de carne e osso a minha língua tara sonha cumer do teu almoço e ainda como um doido curuminha a lamber o chão que restou da Guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi não foi a língua que ouvi
em sua boca caiçara
gargaú guriri itapevi abapuru minha musa antropofágica tem o nome de pagu tarcila anita d´alkmim itaim guarujá piratininga itapetinga itaquera quantas palavras ensanguentadas nas taperas
santeiro do mangue minha pátria meu tesouro 100 anos se passaram como vento e são paulo transformou-se nessa selva de concreto uma cidade de cimento
olho de lince
para Tchello d´Barros
onde engendro a Sagarana
invento a Sagaranagem
entre a vertigem e a voragem
na palavra de origem
entre a língua e a miragem
São Bernardo e Diadema
mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema
Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo audiovisual.
Escreve e recita com grande expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética. Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que transborda naturalmente, permanece e se reproduz.
Lau Siqueira
Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso – 2015), Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019). Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 – Tem inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memória)
Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002.
Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira
Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo.
Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado.
Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ onde foi Diretor de Projetos Especiais de 1999 a 2004.
Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.
Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba-SP.
Integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP
Com seu videopoema Goytacá Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNRTE Rio.
Atualmente é coordenador de cultura na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ
leminski me ensinou
a ser conciso
metáfora direta
encravada no dente sísifo
EuGênio Mallarmè
https://suorecio.blogspot.com/
primeiro amor
montado no sol a pino
no pasto do céu em chamas
eu cavaleiro menino
enlouqueci na sua carma
Artur Gomes
Suor & Cio – MVPB Edições 1985
https://suorecio.blogspot.com/
PONTE PARA TI
Haverá um dia em que virás com a saudade presa no olhar e os olhos pousadas no chão, e pelo chão arrastando os pés pesados pelo cansaço dessa interminável viagem de solidão, como quem busca um caminho entre as margens da nossa paixão, sem que no teu rosto se vislumbre um sorriso atirado à multidão!
E nessa estrada de desespero em que trazes coração apertado no peito, rasgado e a morrer neste mundo imperfeito, torturado, amargurado e sem jeito, tu maldizes o destino sem tino que te afasta da felicidade e do amor, como se os astros estivessem alinhados com a rudeza da tua dor e roubassem a passagem que te leva para onde eu for!
E depois tu chegas, pela outra margem e eu vislumbro em ti o intenso sorriso do regresso ao meu coração, antes magoado e esquecido do doce sabor da paixão, e o passado é o quase intransponível rio de recordações que nos separa, e eu venço barreiras, violo fronteiras e queimo o passado nas fogueiras, até que o amor seja a ponte que me leva definitivamente para ti !!
Diogo Alves
"Quem escreve quer dizer coisas que estão para além da vida quotidiana. Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco."
(Mia Couto, in "E se Obama fosse africano?".
Grito
O encontro de vários silêncios
Os nós na garganta
Escrevo fora
O que ruge dentro
Componho com as mãos
O que habita em meu peito
Nacos de palavras
Feito carne viva
Na ponta dos dedos
Escrevo
Fazendo ruído
Aos desejos.
Daniela Fantin
Poema instigante da querida poeta Luiza Silva Oliveira
Ossada
Somos um monte de ossos
um coração ambulante
uma pele que sangra
um pulmão hemorróidico
uma face rasgada
e um olhar gigante que nos salva
somos mercadorias estocadas nas prateleiras
perecíveis
e extintas ao
passar do tempo
egos que caminham ao redor da morte
como um touro bravo que quer matar o toureiro
é o vencedor
é o vendedor de ilusões
é o santo endemoniado
fabricante da figurino ideal
pra ser aprovado
ovacionado
no céu desventurado
fabricante de ilusões
do injuriado
do trancafiado
do espancado
do travestido
olhamos mas não enxergamos nada
nuvens pretas conspiram para a cegueira
prefiro os corvos aos bem-te-vis
são crus, reais, longe dos
hemisférios das bondades
negligenciados na honradez supérflua
prefiro ter e não ser
ter o olhar gigante
e não ser nada
cadê você pessoa?
pessoinha pertiscenta
somos uma tragada de
miseráveis beirando a nulidades
e temos todo o amor do mundo oh!
come chocolates pequena
come chocolates contaminados
e terá toda a diarreia do mundo
(Luiza Silva Oliveira)
não quero mais nada
a não ser
sua carne
em meu prato vazio
de espinhas
com farinha
o sexo me secou de fome
quase tântrica
desde que não sou sânscrita
quero mais
não quero mais nada
a não ser suas unhas
cravadas em minha carne
de santa
que não sei onde deixei
guarapari ou rio das ostras
minhas coxas fremem
só de ouvir teu nome
Rúbia Querubim
https://porradalirica.blogspot.com/
como estiletes para riscar brumas (Poesia, 2022)
Claudinei Urso Vieira
não é exatamente um retumbe
é o som que atravessa a parede
é a o palpitar das sacadas e das ruas
é o estremecer da cidade e do concreto
vermelho que escorre do meio das pernas
da menina sentada na calçada
enquanto chora uma certa desesperança
Sit there, count your fingers.
What else, what else is there to do?
não é exatamente um retumbe
é a sensação que apresenta os anjos decaídos
bêbados desconsolados batendo palmas
a girar a cidade enquanto vomitam
jorros de ambrosias douradas mal digeridas
e, mesmo assim, cantam sua certa desesperança
ainda que o mundo não os ouça
(mas os anjos não se importam...)
It´s gonna feel just like those raindrops do
When they´re falling down, honey, all around you
não é um baque, um retumbe, não mesmo
é somente a música que sobe a cidade
como nuvem noturna e cujas gotas dançam
e se misturam às gotas do vermelho
das pernas da menina e dos anjos
sem vergonhas atropelados pelo destino
anjos, demônios and a little girl blue pela cidade
I don´t know what else, what else
Honey, have you got to do
os demônios urram suas maldições
pelas ruas molhadas de cerveja e sangue
da cidade assustada, mas deve-se dizer:
não são eles a tocar os tambores,
não são eles a tocar o terror e amedrontar
criancinhas incautas
não são os demônios o terror.
tenha pena da menina a chorar
sua líquida dor avermelhada
sob a chuva anavalhada;
tenha medo dos anjos desabridos
desinibidos a concertar paraísos envergonhados,
toquemos com os demônios,
toquemos com os diabos
de uma cidade assustada,
rezemos para que não sejamos nós os demônios,
ou, pior, os anjos,
ou, pior, a chuva
and count your fingers
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Claudinei Vieira, sem medo de incorrer em erro, é um dos grandes poetas contemporâneos. Desde YURÊI, CABERÊ, seu primeiro livro de poemas, destaca-se pelo olhar aguçado e atento para o homem submerso sob os escombros da metrópole, faz uso do ritmo rápido, entrecortado e a linguagem, contundente e fragmentária. Os poemas mostram a relação desse homem com o espírito tirano da urbe que, por inúmeras vezes, nos põe de joelhos perante situações desumanas e, também por sua recorrência se tornam comuns. - Fabiano Garcez
Eu já sabia do seu jeito: poeta do desconcerto, voyer do desencanto, stalker da indignação. Em pessoa, doce e gentil. Agora, é o poeta quem revela sua melhor face: guia experimentado por escombros da guerra urbana. São Paulo é uma perversão em contos de fada, matéria prima para a poesia de Claudinei Vieira. Por um percurso de esquinas e cafés, calçadas e bares, a poesia é a ansiedade e angústia do conformismo: uma certa desesperança, a sentença irrecorrível de que, se não há morte, não é poesia. - Adriana Anelli
Capa Dura - formato 16x23 cm
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