SALTO
Eu,
que tenho a idade dos lobos nas festas dos cemitérios
Eu,
que sinto o pulso das marés nas ondas que não mais surfo
Eu,
que vi o último pássaro a vagar solto pelos vales soturnos
aprendi
a liberdade do beijo na boca saborosa do espelho
Eu,
que tenho o sexo a latejar loucuras, punhais, venenos
e vi
meninos negros a mendigar brinquedos
acreditei
em estrelas, luas, mistérios e desejos
Eu,
que compreendo os velhos que do amor não souberam
e
cresci ouvindo o pai dizer homem não chora
ainda
choro ao ouvir o som das sanfonas nos desertos
Eu,
que no escuro cego ainda sinto os dedos fálicos e crus
dos
mágicos sonhos secretos e gozo
Eu,
que desde antes do Dilúvio perdi a fé
aprendi
que Deus é um ser estranho
fantasma
que come seus frutos
Eu,
incêndio inaugurando o mar
Eu, o
permanente escândalo dos rumores e provérbios
a água
que não pode ser bebida
a
hóstia que não pode ser servida
a pele
que não pode ser tocada
o
corpo que não pode ser comido
para
que o labirinto não se desfaça
e a
esfinge não perca o seu encanto
Eu,
que sei o insustentável peso da paixão
do
preço de um homem no chão
do
olho que só me vê fora de mim
espião
de mim
mesmo o ladrão
alma
que se liberta do seu cão
Eu,
esse descompasso corporal
aprendi
que fazer poemas é equilibrar ócio e vício
e me
assusta a luz da lua entrando
pela
janela aberta desse edifício
(Tanussi Cardoso)
*
DE QUE SÃO FEITAS AS HORAS?
Vale a palavra e a
terra azul
a menina da tarde
florida
o relógio de olhos
sonolentos da manhã.
Tudo volta no gesto
silencioso
Do moço de capa de
chuva sob as estrelas
Na noite ferida de
inquietude parda.
De que são feitas
as horas?
(Luiz Eudes)
Portanto, não deixem de ler e
adquirir o livro de LUIZ EUDES: “MANHÃ NA GARGANTA” (Pragmatha
Editora, 2024), belo a partir do título.
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