terça-feira, 23 de abril de 2024

múltiplas poéticas

 


com os dentes
cravados na memória
soletro te nome
:
C a b o F r i o 
barco bêbado

naufragado
fora do teu cais
caminho marítimo
por onde talvez 
já passou meu pai

para Torquato Neto

 

aqui estou na brasileia tropicalha

em populácea militância

pornofágica

desbundando a marginalha

em poesia su-real

para esquecer que a circunstância

é um pouco trágica

e não dizer

que o meu brasil dançou geral


trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

                      e os teus

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

   mastigando a nossa morte

mas eles é quem morrerão

meu amor: num grande susto

         quando nus virem

amando nessa cama

de ferro e de pau duro


1º de abril de abril

 

       telefonaram-me

             avisando-me

        que vinhas

 

na noite

uma estrela

ainda brigava

com a escuridão

 

         na rua

         sob patas

         tombavam

         homens indefesos

 

esperei-te

20 anos

e até hoje

não vieste

à minha porta

 

- foi um puta golpe!


com  os  dentes  cravados  na memória

 

Aos 20 Freud estava apenas de passagem, difícil era entender a insustentável leveza do ser onde tudo que é sólido se dissolve no ar. A barra era pesada, os sonhos exterminados a ferro e fogo, porões, exílio, trincheiras, barricadas, palavras eram caladas a golpes de espadas. Desse tempo ficaram marcas, cicatrizes fundas. aos 30 vieram filhos, e a compreensão da função biológica do sexo. aos 40 o que era submerso aflorou na superfície, foi brotando do inconsciente o que estava lá adormecido desfolhei nos livros Suor & Cio e Couro Cru & Carne Viva. aos 50 e 60 Freud se tornou companheiro de jornadas para exorcizar  os fantasma nos laboratórios de teatro. hoje  sonho imaginário fantasia são partes da mesma realidade, complementos inseparáveis da mutação do pós-juízo onde amo uma mulher de 26 e ela entra pela minha porta como uma outra nunca fez.


 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

leia mais no blog

https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/


Poema da inesquecível mulher

 

Eu, vero, me bati na tua porta:

mal caibo em mim, sem ti

no que importa

Sou trava de uma casa redigida

no vão da tua mão subtraída

 

Romério Rômulo


Com o tempo entendi que não importa onde estamos, a cultura e arte vão estar presentes tanto quanto o ar que respiramos e não temos como fugir dela e o melhor é sentar, pegar uma pipoca e assistir um filme e se deixar tocar por ele; ler um livro e refletir sobre o que se leu; parar um tempo e se deixar apaixonar pela paixão do poeta; se deixar apaixonar pela pintura do artista-plástico ou pela obra do escultor... Não podemos controlar o que sentimos, mas podemos refletir sobre como somos tocados pela arte, seja ela qual for.

 

Isadora Chiminazzo Predebon

https://www.facebook.com/psicologa.isadoracp/


Com Os Dentes Cravados Na Memória

 

Relatório

 

I

 

na sala ficaram cacos de pratos

espalhados pelo chão. pedaços do corpo retidos

entre o corredor, após o interrogatório.

um cheiro forte de pólvora e mijo

misturados a dois ou três dias sem banho

depois de feito sexo.

só o fogo da verdade exalando odor e raiva

quando em verde, conspiravam contra nós.

 

em são cristóvão o gasômetro vomitava

um gás venoso nos pulmões já cancerados

nos quartéis da cavalaria.

 

II

 

me lembro.

o sentimento  era náuseas, nojo, asco,

quando as botas do carrasco

bateram nos meus ombros com os cascos.

 

jamais me esquecerei o nome do bandido

escondido atrás dos tanques

e

se chamavam:

                          Dragões da Independência

e a gente ali na inocência.

comendo estrumes. engolindo em seco

as feridas provocadas por esporas.

aguentando o coice, o cuspe,

e

a própria ira

                        dos animais de fardas

batendo patas sobre nós.

 

III

 

com a carne em postas sobre a mesa,

o couro cru, o coração em desespero,

o sangue fluindo pelos poros, pelos pelos.

 

eu faço aqui

meditações sobre o presente

re cri ando

                   meu futuro.

tendo o corpo em cada porta

e a cara em cada furo.

 

tentando só/erguer

as condições pra ser humano

visto que tornou-se urbano

e re-par-tiu

                     se

em mil pedaços

visto que do sobre-humano

restou cabeça, pés, e braços.

 

Artur Gomes

Couro Cru & Carne Viva – 1987


como não amanhecer feliz.

quando ao acordar damos de olhos com um recado desses

em nossa caixa de mensagens, vindo da minha querida/amada

amiga Angélica Rossi lá de Bento Gonçalves,

 cidade onde escrevi a maioria das Juras Secretas.

 

“É muito mas muito cheia de tudo de bom tua obra
Adorei - Até já mandei uns trechos pra uns amigos
Muito legal mesmo. Nunca deixe que as críticas apaguem a sua essência..

A noite Te mando
A minha jura preferida. Quem é a Clarice?
Fiquei curiosa pra ver como é seu rosto. E como Ela é.

Que legal... me chamou a atenção a tal Clarice. 
Porque não conseguia imaginá-la
Então é por isso...
Um pouco de muitas mulheres”

 

Jura Secreta 72.

 

Clarice dorme em minha mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu

quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu


 

cidade das pedras

Para Mauri Menegotto

 

uma cidade

onde o caminho de pedras

transborda poesia

entre o vale e os vinhedos

a primavera explode em flores

semente brota nos frutos

na arte de esculpir  pedras

o sentimento absoluto

de quem faz arte com as mãos

e toca a vida em frente

como se esmerilhar  as pedras

fosse tocar as pétalas

dos parreirais de outubro

onde tudo aflora

a poesia pulsa

e transforma em arte

a matéria em estado bruto

 

Artur Gomes 

                      O Poeta Enquanto Coisa

https://arturgomesgumes.blogspot.com/


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