A arte e
o seu templo
“e fosse o poema a dança oculta de uma fala por baixo do silêncio, acima dos
murmúrios de um pássaro a voar além do que traduzo”.
Igor
Fagundes
In Pensamento Dança – tese de doutorado em Letras (UFRJ)
*
A arte expressa através do tempo
a história universal da humanidade
a veracidade, em cada pensamento
do homem e sua hora
a arte dança
pinta
encena
escreve filma
foto.grafa
fala
a arte não cala
explora invoca provoca
insiste resiste
clareia o templo escuro
arma/dura do humano
pra tatear o seu presente
tentar prever o seu futuro
enquanto escrevo
o pensamento dança
cada palavra voa
nesse corpo nem um pouco santo
o riso pode vir do pranto
a lágrima pode descer do riso
na dupla face que carrego
todo sentimento vem
comigo
hoje nesse palco Trianon
em seus 26 anos de memórias
nesse poema falo
fotografo
danço escrevo quanto de bom
tem nessa história
metáforas em suas nuances
retrato em uma folha
a sua mais perfeita linha
a arte de suas performances
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Artur Gomes
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Lado B – Lado A
O lado B sempre conta uma história que mesmo sendo a mesma o lado A não tem coragem de contar assim como marisa pode ser mim mesma federico baudelaire também pode ser federika lispector euGênio mallarmé rúbia querubim todos serAfim do mesmo canibalismo tupiniquim desses templos trevosos que mostram escancaradamente onde foi parar a humanidade não apenas estes mas também os outros nove se debatem na estrada do desespero procurando a fresta alguma luz no fim do túnel nos telhados de assombradado ou nas vozes de lobisomens que ecoem dentro das paredes do hotel amazonas afogadas que foram nas águas do paraíba quando ainda império galvez passou por aqui
Artur Fulinaíma
Do livro Inédito: Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
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A PROSA DO ROSA, SEGUNDO HAROLDO, CORA E MANOEL
A PROSA DO ROSA, SEGUNDO
HAROLDO, CORA E MANOEL
Por
Luís Turiba
Ler o Grande sertão: veredas, romance
fundamental da literatura brasileira escrito pelo mineiro-diplomata João
Guimarães Rosa, é prazer desafiante para quem ama, degusta e se deleita com a
linguagem de invenção e excelência textual que ele, livro, apresenta.
O poeta concreto-erudito
Haroldo de Campos afirma que Rosa criou com sua linguagem, um “barroco mulato
contemporâneo em um sertão metafísico e mitológico”. Ou seja, o “Grande Sertão”
interessa em especial a quem deseja enfrentar o “difícil” na sua travessia para
um amadurecimento literário, humano e cósmico. Por ser uma história cuja gênese
tem um pacto com o demo, segundo o próprio autor em conversa com Haroldo, o
romance se tornou uma obra universal, com traduções e destaque em inúmeros
idiomas. Na dúvida, leia nas entrelinhas o primeiro parágrafo.
No meu entender (e
experiência), estamos focando nosso olhar em uma obra imensurável a ser
enfrentada por quem tem pretensões nas áreas literárias, poéticas, culturais e
ecológicas. Fazer ou não fazer “a travessia” do Sertão, eis a questão! Escolhi
fazê-la.
O livro foi lançado em
1956 pela Livraria José Olympio e, até os dias atuais, continua ganhando novas
interpretações e assim recriando velhas polêmicas com novas releituras no
teatro, na dança, na TV e no cinema.
Recentemente, com o
lançamento do filme Grande Sertão,
estrelado por Caio Blat e Luisa Arraes e dirigido por Guel Arraes, a obra
voltou a causar um certo frisson entre os puristas “roseanos”, que o
consideraram uma espécie de “videoclipe” musical distante da realidade do
sertão profundo. O palco dos conflitos e guerras entre os jagunços foi trocado
por favelas urbanas, onde quadrilhas, milícias e bandos que atuam nas grandes
cidades brasileiras exercem seus podres poderes.
“Numa
grande comunidade da periferia chamada “Grande Sertão”, a luta entre policiais
e bandidos assume ares de guerra urbana e traz à tona questões como lealdade,
vida, morte, amor, coragem, Deus e o diabo, diz a sinopse do filme.
Fomos assistir, Rose e
eu, a Caio Blat e Luisa Arraes na telona. Antes, eu já havia aplaudido as
apresentações teatrais de ambos quando a peça lotou o CCBB no Rio. Diante do
nosso espanto, deixei o cinema totalmente impactado com as novas soluções
cenográficas e lances audiovisuais avançados na área da comunicação. A essência
do texto “roseano”, porém, continuou viva, desafiadora e humana, com todos os
seus desafios respondidos à altura.
Enfrentei minha
travessia livresca do Grande sertão:
veredas antes de completar 30 anos. Era um jovem jornalista
profissional e trabalhava em três diferentes frentes em Brasília. Na editoria
de Economia, cobria os grandes projetos de mineração na Amazônia durante o
governo militar, como por exemplo, o formigueiro de Serra Pelada. Na área
Política, acompanhei a campanha das Diretas Já e, posteriormente, a eleição de
Tancredo Neves para a presidência da República pelo Colégio Eleitoral.
Na Área Cultural, o
editor-geral do Jornal de Brasília na
época, o conhecido jornalista Oliveira Bastos, era amigo pessoal do presidente
José Sarney, que fora empossado no lugar do Tancredo, internado na véspera da
posse. Tancredo faleceu após passar mais de um mês em tratamento em vários
hospitais. O Bastos também era amigo do acadêmico Ferreira Gullar e dos irmãos
Campos. Daí, tinha um pé na poesia.
Na época, aproveitei a
passagem da poeta Cora Coralina por Brasília e fiz com ela um longo depoimento,
publicado em cinco páginas por cinco dias seguidos no JBr. A certa altura de
nossa conversa, Cora, curiosa, me perguntou:
– Você já leu o Grande sertão: veredas? Sua pergunta
era também um teste, um desafio. Envergonhado, lhe respondi que não. E
expliquei:
– Tentar, até tentei.
Mas a linguagem é muito complexa, e desisti na terceira página.
Cora, então, com quase
90 anos, não se corou e me desafiou:
– Posso te ensinar a
ler e entender bem a linguagem de Guimarães Rosa. É um momento literário
mágico. Topa?
Perguntei como, e ela
me explicou:
– O livro tem umas 400
páginas. Coloque ele à sua frente e se concentre, pedindo licença para sua
travessia. Em seguida, pegue o livro e abra em qualquer página mais ou menos no
meio dele. Inicie sua leitura em voz alta e, sem ter a mínima preocupação em
entender o que está lendo. simplesmente inicie a leitura pronunciando, da
melhor maneira possível, cada palavra lida. E vá seguindo e virando as páginas
tentando entender o ritmo da leitura, pois é um livro que possui um fluxo
próprio se o leitor seguir seu ritmo. Quando já estiver passando das
primeiras dez páginas, pare a leitura e feche o livro. No dia seguinte, com
tempo e paciência, abra o livro no capítulo inicial e comece a ler:
– “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de
homem não. Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do
córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha
mocidade. Daí vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso,
os olhos de nem ser – se viu – ; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não
quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse
figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o
demo. Povo prascóvio. Mataram.”
Aí peguei gosto com o
aprendizado da poeta doceira de Goyás Velho e demorei uns dois meses mergulhado
naquela travessia de sustos, sabores e saberes. Quando perdia o ritmo, parava
tudo, respirava fundo e voltava umas páginas lá de trás.
Recentemente, recebi do
escritor César Manzolillo, colunista do portal ArteCult, um pequeno livro-guia
apresentando um “roteiro de leitura” para os que desejam se aventurar na
travessia do Grande Sertão. A autora do roteiro é a professora de Teoria
Literária Kathrin Holzermayr Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul; e a publicação é da Editora Ática. Logo na sua apresentação, o roteiro
nos dá dicas importantes. Diz a autora:
“As
sugestões deste livro conduzir-nos-ão em duas direções. Por um lado, elas
permitirão ao leitor que não dispões ainda de uma ampla experiência literária,
perceber a complexidade do trabalho poético posto em jogo pelo texto: jogos com
categorias básicas – tempo, espeço, personagem –; com gêneros – épico, lírico,
dramático -, com procedimentos – poesia e prosa -; com pontos de referências –
personagem, narrador, autor, interlocutor-leitor -; com discursos heterogêneos
– dizeres cotidianos, literários, teológicos, filosóficos, científicos etc.”
A professora preparou
seu livro-roteiro baseada em pesquisas que mostram que “a travessia” se
desdobra em vários processos. O livro-guia é a soma deles.
A aventura de Riobaldo,
personagem contador, aparece, no entanto, fragmentada e distorcida, a tal ponto
que “muitos leitores abandonam a leitura nas primeiras páginas”. O roteiro é
denso e tem serventia para aqueles que já fizeram a “travessia” pelo menos uma
vez, pois é comum leitores, leitoras e estudiosos refazerem suas leituras por
duas ou mais vezes.
Mas não foi só Cora
Coralina que me mostrou caminhos para a leitura da obra Roseana. Quando editei,
por vários anos, em Brasília a revista BRIC A BRAC, com poesias inventivas,
conhecimentos culturais e visuais, tive a oportunidade de entrevistar, em 1986,
o também poeta pantaneiro Manoel de Barros. Óbvio que a presença do autor de Grande sertão: veredas também foi destaque dessa
entrevista.
Manoel contou, com
riquezas de mimos, os meses que conviveu com Rosa, quando este era adido da
fronteira do Mato Grosso do Sul com países latinos. Manoel diz que Rosa queria
saber de detalhes da linguagem do Pantanal:
– Rosa
se aplica nas palavras com fundo indagar. Fica imaginando. Recorre a outras
línguas de raízes tupis. Faz desenho de letras no caderno. Excogita. Disse para
ele que o Pantanal quase teve um dialeto. Muitos anos os moradores ficaram
isolados. Isso faz uma ilha linguística. Palavras sofriam erosões morfológicas
ou semânticas. Outras foram criadas. E algumas sumiam por serem de cidade.
– Por
exemplo, Manoel, uma palavra que sofreu erosão…
– Pode
me dizer alguma expressão que ficou quase dialeto, alguma invenção?
Manoel dá uma de
professor em cima de Rosa:
– O
verbo clarear, por exemplo. Aqui ele tomou um outro significado. Assim: clarear
de uma pessoa é fugir dela. A expressão vem de quando, nas corridas de cavalo,
aquele que vai na frente, avança mais de um corpo, o cavalo faz luz dele para o
outro. Quer dizer, “clareia” do outro. Para dizer que deixou a namorada, se
fala: “clareei dela”.
A
aula de Manoel de Barros para o Rosa sobre a linguagem do Pantanal termina com
um exemplo poético
surpreendente da língua de invenção:
– Tenho um amigo, Neto Botelho, que sabe das coisas, que informa que o nosso monumento, ainda inacabado, de folklore, é o cavalo. Cavalo é nosso enfeite, nosso instrumento de trabalho, nosso meio de transporte, nosso amigo, nossa arte. Com ele se ganha o pão, com ele se vai namorar. Ofereço ao Rosa um poema do Neto Botelho sobre o cavalo que teve:
“Tive um cavalo ruano
De nome
Balança-os-Cachos
De cheirar e mandar
guardar
Cavalo de confiança
Pegava em 40 metros
Galardão de cola e
ancas
Um ente desanormal
Coisa de prateleira
Ventava como o fedor
Não foi de ensebar
serviços
Não teve queda pra
cangas
Pastor de primeira
instância
Cavalo de putear delegado
Livre como as vertentes
Podia até lavar louças
Leve de patas que era
Só
faltava ir ao cinema.
E prossegue Manoel:
– Rosa
tomou nota. Gravou na caderneta. Anos atrás, fui ver, na Casa de Rui Barbosa,
uma exposição dos cadernos do Rosa. Mas lá não encontrei o poema.
O poema ofertado ao
Rosa por Manoel de Barros jamais permaneceria preso em cadernetas. Ele está
solto nos Sertões e nas Veredas. Nas
“Galáxias”, nos “Becos”, nos Cavalos, nos livros de invenções e invencionices.
Nos Machados, nos Joões e nas
Adélias. São tantos os “roteiros de leitura” que vale a pena escolher o seu e
fazer a fantástica “Travessia”.
LUIS TURIBA
*Luís Turiba é jornalista aposentado, poeta com 3 livros editados pela 7 Letras do RJ, e outros 8 livros no campo da poesia independente e/ou marginal.É editor da revista anual de invenções poéticas Bric a Brac, criada em Brasília, em 1985. A Bric a Brac 8, última edição, saiu em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ainda pode ser encontrada nas melhores livrarias de Ramos
leia mais aqui
https://artecult.com/a-prosa-do-rosa-segundo-haroldo-cora-e-manoel/
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